Uma beatificação controvertida, contestada, impugnada, a de Giovanni Maria Mastai-Ferretti, o Papa Pio IX. Acusam-no de anti-semita, autoritário, e extremado conservador. Pio IX comandou o Vaticano entre 1.846 e 1.878. “Eu sou a Igreja, eu sou a tradição”, teria repetido com freqüência, enquanto esteve sentado no trono do Santo Pescador. Em defesa do novo beato, levantou-se um teólogo brasileiro. E, à imprensa, disse que Pio IX dirigiu a Igreja num período de “enormes tensões”. Ressaltou ainda, que “diante do anticlericalismo exacerbado, o papa cercou-se de assessores ultra-conservadores”. É provável. É provável.
Com a celeuma criada em derredor de uma simples beatificação, chego à conclusão de que teve razão Victor Hugo quando opinou sobre canonizações. Para o irônico escritor francês, elas demoram porque a Igreja espera que morram todas as testemunhas da vida do seu candidato a santo. Pio IX viveu e morreu no século passado. Por que, então, tanto rebu em torno do ato de João Paulo II conferindo ao colega o título de beato? Não está viva uma só pessoa que, em algum momento, tenha privado da intimidade do pontífice, cuja beatificação se questiona. Há, sim, o testemunho da História. Que deve ser sempre levado em conta. Principalmente quando se quer botar alguém nos altares, para a permanente veneração dos fiéis. Ora, se pairam dúvidas sobre o comportamento do novo beato, como pedir, amanhã, a intercessão de São Pio IX?
Não conheço, com detalhes, a vida de Giovanni Maria Mastai-Ferretti. E muito menos os motivos que levaram Karol Voijtila a elevá-lo à condição invejável de beato da sua (nossa) Igreja. Por isso, não faço críticas a João Paulo II que, contra tudo e contra todos, decidiu beatificar mais um sucessor de São Pedro. Ainda mais um papa que, segundo dizem, foi o que mais beatificou: 1.052 beatos, em 2.000 anos de história da Igreja Católica Romana. Conhece, pois, mais do que ninguém, o riscado.
Depois da quase canonização de Pio IX, uma pergunta: por onde anda o processo de beatificação do padre cearense José Antônio de Maria Ibiapina? Muito pouco sobre esse processo se tem falado, desde sua abertura, que somente ocorreu em 1991! Ora bolas, um sacerdote já santificado pelo povo do Nordeste, por que somente 108 anos depois de sua morte a Igreja admitiu pensar na sua beatificação? A voz do povo deixou, por acaso, de ser a voz de Deus? Não. “Vox populi, vox Dei”
Recordando. O padre Ibiapina nasceu na fazenda Olho D’água, pertinho da cidade cearense de Sobral, no dia 5 de agosto de 1806. Morreu na Paraíba, em 19 de fevereiro de 1883. Foi advogado, juiz e deputado. Renunciou a beca, a toga e a política, e se ordenou sacerdote. Imediatamente fez do Nordeste a sua paróquia predileta. Sem ajuda oficial, numa época de estradas ruins, e incipientes meios de transporte, padre Ibiapina, a pé ou a cavalo, fez caridade nos mais esquecidos recantos do sertão nordestino. Quem disse que fazer caridade é coisa fácil?
No Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, construiu açudes, hospitais, igrejas, cemitérios e escolas. Mas sua grande obra foi, sem sombra de dúvidas, a criação das “Casas de Caridade”. Enfrentando inenarráveis dificuldades, construiu 22 dessas casas, onde os sem-nada dos quatro estados tinham tudo.
Exerceu seu apostolado, no momento em que sua Igreja era dirigida por uma papa interessante! chamado Pio IX. E vejam o que aconteceu: nas suas andanças pelo Nordeste, homenageou o chefe da sua Igreja. Como? No acolhedor Piaui, o padre Ibiapina fundou um povoado, e a ele deu o nome de Pio IX. Isso por volta de 1.871.
Pio IX, agora beato, numa demonstração de carinho e gratidão, está, no meu modesto modo de ver, obrigado a mexer os pauzinhos em favor do padre pai d’égua José Ibiapina. Com o seu adjutório, logo teremos, nos altares do mundo, um santo cabeça-chata. Amém!