Crônica de Natal

Tenho tentado parir uma crônica de Natal que não seja piegas ou alienada. Os tempos andam pra lá de bicudos, muitos problemas ainda a serem resolvidos, os mesmos de sempre: política, corrupção desenfreada, crises, violência, saúde, ensino…, o diabo.
Eu bem podia pensar num texto com Papai Noel e seus veadinhos, Jesusinho na manjedoura, jumentos plácidos remoendo palha, a Virgem, a estrela-guia e os três Reis Magos. Uma crônica poética e tocante, quem sabe….
Mas me faltam palavras, e ânimo.
Decididamente, não tenho saco pra isso.
A realidade é bem dura. Há desemprego, há analfabetismo, há pobreza, miséria absoluta; e muitos com a solução mágica, só que jamais a aplicam. Ficam todos, e sempre, só na teoria, no papel que tudo aceita e digere. Solução nenhuma.
Quem vive de escrita, salvo honrosas e merecidas exceções, está fadado a morrer à míngua neste nosso grande e iletrado país. A magreza da nossa cultura, uma civilização intelectualmente dietética.
É impressionante o número de pessoas, entre as alfabetizadas, que jamais leu um livro de cabo a rabo. Há as que leram alguns simplesmente para poder terminar um curso de segundo grau ou superior, como exigência curricular. Mas nem entenderam nada.
Literatura é coisa supérflua, inutilidade, não serve para nada além de mostrar a pseudocultura de alguns privilegiados. Gente que não tem de lutar pela sobrevivência. Literatos são uma espécie em extinção, e damos graças por isso.
Enquanto escrevo isso, há gente fazendo coisa útil, há um pedreiro levantando uma parede, há um homem cavando uma vala, outro semeando uma seara, mais um ordenhando uma vaca. Há uma mulher de peitos murchos, subnutrida, amamentando um filho esfomeado.
E eu estou aqui dedilhando esta droga, produzindo nada, coisa sem valia. Enquanto há um homem enterrando o outro numa cova rasa, medida em palmos; há uma mulher dando à luz um menino sem futuro, num nordestal sem fim… Muito longe daqui, do grande centro, do umbigo do mundo-brasil, onde tudo existe, onde tudo é teóricamente possível. Lá é um outro país, de subgente.
Mas, claro, não é preciso que eu fique aqui a repetir essas coisas que todos já se cansaram de saber. Problemas crônicos e muito convenientes, que se alimentam de verbas e de política suja, num círculo vicioso.
Há quem leia, sim, mas livros de auto-ajuda ­ que na verdade ajudam o autor e as editoras a enriquecer. As editoras só publicam o que vende, e caro. E o que vende é isso. Ou os famosos livros americanos, aqueles livros de bolso mais sofisticados, com letras douradas e em relevo na capa. Vendem isso nos supermercados, a quilo, às duzias, junto com salsichas e batatas fritas, que engordam e burrificam a massa.
Ou então publicam somente o que já é de domínio público, os que não se precisa pagar nada a ninguém. No máximo uns trocados ao organizador dos textos. Exceção: quando o autor é consagrado pela mídia, muitas vezes em outras atividades, aí publicam a rodo. Há desses, e muitos.
E assim vamos indo, querendo chegar de alguma forma ao terceiro milênio, arrumar um lugar decente no mundo, arrastando-nos feito lagartas.
O tal provão que foi aplicado recentemente mostra o quanto estamos longe do alvo, erramos por quilômetros, e até agora nem sabíamos para que lado atirar.
É preciso que se faça alguma coisa, urgentemente, em favor da cultura e do ensino, além de medi-los com a régua oficial. Não adianta formar um monte de profissionais incapazes, quantidade nunca foi sinônimo de qualidade. E o ensino virou uma indústria com metas de faturamento, que visa unicamente botar pra fora o seu “produto”, o profissional, ainda que mal formado.
Um povo só cresce se preparado adequadamente. Não é só a técnica que conta, ela tem de ser assimilada de alguma forma, tem de ser aprendida, e ninguém que não sabe ler e escrever tem como chegar ao desenvolvimento. A menos que sejamos uma civilização de gênios autodidatas.
E o único meio, o veículo é, e sempre será, a língua! Seja qual for o campo de conhecimento que se escolha. Guimarães Rosa era médico, Euclides da Cunha era engenheiro, só para citar alguns…
Então a literatura serve para alguma coisa!
E quem escreve, seja lá o que for ­ poeta, contista, romancista, novelista etc. – não pertence, de fato, a essa classe de inúteis pomposos que se denominou “literatos”. Os escritores passam e repassam as idéias, lhes dão formas, questionam-nas, investigam-nas, tornam-nas inteligíveis, legíveis… Transmitem, enfim.
Esta é a verdadeira função do literato: difundir, estimular, descortinar. Não escrever para si mesmos, como dizia o Lobato, o rebelde, que usou da boca da Emília, da Dona Benta, da Tia Nastácia, para dizer o que queria e não ser tachado de “literato”.
Mas, claro, nada será feito sem o envolvimento oficial, dos políticos, de todos. E aí entra a tal da “vontade política”, que é uma vontade sem vontade quando há interesses opostos. A nós, povão, cabe cobrar, exigir, pintar a cara, até que se faça algo.
Ou seremos todos burros diplomados.
E chega. Bom Natal e feliz ano 2000 pra todo mundo que nos aturou o ano inteiro.
Abraço