Ele sentou-se ao meu lado e se apalpava nervosamente. Parecia tapar os furos do seu corpo por onde vazava rindo, uma tristeza prisioneira. Um instante depois, rendeu-se e parou. As mãos postas, enfiou-as entre as pernas fechadas. Os pés, em ângulo obtuso. Bicos encostados, calcanhares afastados. Típica posição dos deprimidos. O alvo do seu olhar avermelhado era uma das pedras do calçamento, situada a uns dois metros do nosso banco. Já me diverti muito aqui do meu posto de observação desse inesperado mundo dos homens. Essa visão, contudo, estava incomodando minhas entranhas. Parei a leitura, mas meus olhos continuaram navegando pelo jornal. Minha mente, migrou para meu vizinho. Confesso que numa hora destas, me assola uma suspeita de incompetência humana, misturada com necessidade anímica para agir.
– Aborrecido? – Fingi continuar a leitura, olhos buscando manchetes interessantes pelo jornal despudoradamente aberto.
Sua cabeça sacudiu rápida de cima para baixo, sugerindo um “sim” frenético sem tirar o olhar da pedra. Sem me olhar.
– Você parece estar mais que aborrecido. Está louco da vida, não é? – fazê-lo falar era a única ajuda que eu podia oferecer.
Ele repetiu o gesto afirmativo. O olhar continuava na pedra. As mãos espremidas nas coxas. Os pés no abominável ângulo invertidamente fechado.
– Eu também ando meio louco da vida! Motivos não faltam… Já vivi tanto, que colecioná-los é compulsório. Mas você é muito jovem… O que aconteceu?
Ele tirou a mão direita da fenda, fechou todos os dedos, menos o indicador e apontou para a mesa na frente de uma lanchonete, onde um casal bebericava alguma coisa. Ela fazia carinhos nos cabelos do rapaz. Ele a beijava no rosto. Sorriam. Riam. Quando meu companheiro devolveu a mão para o aperto das pernas, vi a reluzente aliança, indicando noivado recente.
Olhei para o casal. A moça enfiava a mão direita nos cabelos do rapaz num carinho persistente, mostrando o brilho da novíssima aliança.
Virei-me para meu vizinho e ele voltou a apalpar seu corpo, estancando tristezas. Levantou-se. Olhar nas pedras, sumiu na multidão. Esbocei levantar-me para segurá-lo mais um pouco.
– Espere! Quero… – tarde demais. Já não me ouvia, inundado que estava.
Eu tinha algo importante para falar. Queria dizer que ele parasse de se apalpar. Que deixasse a tristeza vazar todinha pra fora. Deixasse ela escorrer, gemendo ou rindo, pelo seu corpo. Drenando-a, não a deixaria se transformar em ódio velado, depois em ódio mortal, depois em vingança, depois em castigo, morte, depois em mais tristeza estancada. Se ele tirasse os olhos da pedra, separasse os bicos dos sapatos e até juntasse os calcanhares; se desmanchasse as mãos postas, erguesse os braços, numa outra geometria de ângulos áureos, tudo mudaria… Mas ele já tinha se enfiado na multidão…
Quebrando meus ingênuos devaneios, a gritaria veio lá da lanchonete. Gente se aglomerando exatamente em volta da mesma mesa apontada há pouco. A multidão aumentou rapidamente e eu já não podia ver mais nada. Levantei-me e fui me aproximando, tentando saber o que acontecera. Colocar-me nas pontas dos pés de nada adiantou.
– O que aconteceu? – perguntei para outro curioso.
– Deram uma facada nas costas de uma garota. É ela que está caída ali no chão.
O som eletrônico da sirene se aproximando, levou-me de volta ao banco. Flagrei-me assustado com minhas mãos postas: estavam enfiadas entre as pernas fechadas. Os pés, em ângulo obtuso. Bicos encostados, calcanhares afastados. Típica posição dos deprimidos.