A garota que fui abriu a porta e empurrou a mulher que sou para fora, sem dizer adeus ou acenar de leve com as mãos.
Quando parti, ainda a vi, debruçada na janela, sorrindo para mim. Ao tentar retornar, no entanto, percebi que a garota que fui havia se escondido. Acabou por se fechar, definitivamente, aquela única porta para o lado de dentro.
Na minha vida foi assim…Ficou a criança, partiu o adulto.
A mulher que sou caminha nas insidiosas veredas deste mundo, vivendo de instantes e respirando vários ares. A mulher que sou está orfã de paisagens.É forasteira em sua própria vida. Banida, solitária, cumpre o desterro, vagando sem rumo, pagando penitências.
Na minha vida é assim…O adulto permanece, a contragosto, sobrevoando as linhas de seu destino.
A velha que serei está em algum lugar, à espera de mim. Será um encontro breve e superficial. Acredito que nenhuma de nós duas olhará para outra, nem ao menos, sequer, tentaremos nos tocar, porque sabemos que, de uma forma ou de outra, eu passarei, e ela também passará. A criança que fui ainda estará lá, trancafiada para sempre, a impedir o regresso da alma pródiga, sem ouvir o seu pedido de perdão.
Minha vida será assim…Ficará a criança, partirá a velha. A mulher que sou, provavelmente, deverá se perder entre os dois caminhos, se é que, de fato, algum dia, se fez existir.