Teorias

A Psicologia do ser humano. Era o que estudávamos. Tudo tão complexo. E a gente ali tentando juntar os pequenos infinitos do homem e conectá-los em ordem cronológica para que o passado explique o presente e justifique uma possibilidade vindoura.
A gente tem problemas demais, coisas demais, vertentes de rios trafegando pelos corredores da nossa inconsciência. Uma natureza, por vezes, intrincada dificultando a exploração dos seus abundantes recursos e por outras vezes excessiva, à flor da pele, expondo seu verde, seu azul, seu céu, sua via-láctea, sua doçura, sua bravura, suas flores, suas aves, répteis e felinos num jogo de sedução, malícia… e depois rejeição, revolta, ódio!
E a gente ali, tentando entender a estratégia do jogo, tentando discriminar essa osmose. Fazendo um banco de dados dos variáveis sentimentos… Que coisa mais fria essa! Infiltrar-se nesse universo como meros especuladores! Sentia-me uma ladra cruzando fronteiras proibidas e roubando emoções alheias. Sem contar os detalhes, são eles a parte mais importante. É nos detalhes que se aninham as células reprodutoras. O silêncio também conta. E como conta! Os silêncios são poemas mudos que a gente tem de decifrar. São mensagens que emitem sinais de algum satélite vivo estacionado dentro do ser. E ele ali me ensinando a ser radar, a passar o pente fino nesse espaço aéreo e estabelecer uma cadeia de sensações, uma cadência de emoções, assim uma dentro da outra, fugindo ao controle humano.
Fugindo ao controle? Perguntei, visando que ele conhecesse um preventivo para essas ações que englobam a mente, o corpo, a alma e até o espírito. A mente tem autocontrole, mas nem tudo está sujeito à vontade dela, complementou. Nem tudo? Pensei, sentindo seu joelho esbarrando ao meu por baixo da mesa e eu fingindo que fora por acaso, que não tinha percebido nada, que estava concentrada nas teorias psicológicas e em todas as neuroses que ele propunha desvendar. Entretanto, os olhos, ah, os meus olhos rebeldes não obedeciam à razão e atentavam para as mãos morenas que esboçavam gestos imprecisos. A psicologia é mesmo imprecisa. Quase vaga. Como controlar os olhos? A gente quer ver mais, quer desvendar mais e vai penetrando, penetrando feito espada.
Primeiro a gente entra no abismo da gente, depois no abismo do outro. Aí a gente abre o abismo da gente para o outro e os dois abismos se encontram cheios de ponto de interrogação. E a psicologia? A gente nem se lembra mais que existe. O passo seguinte é alimentar a boca faminta, sem calcular o tamanho da fome, porque na afobação a gente perde a noção das coisas exatas e a precisão dos atos.
A paixão também é imprecisa. Não é técnica, nem mecânica. Vem quando não se espera e já chega fora de controle, derramando suas lavas feito fogo abrasador. Pior é que a gente aceita!
Ah, os meus abismos! Podia perfeitamente senti-los no afã de seus vulcões. Sentia o ardor contornando o meu corpo no toque das mãos imprecisas. E, de imprecisão em imprecisão, chegamos ao ponto preciso com perfeição.
“Estudo da alma”, eu disse.
Ele sorriu e disse: “estudo do corpo.”
“Isso foi na alma!”
Ele novamente sorriu: “Não meu anjo, foi no corpo!”
Concluí que eu não havia saído do lugar, onde ainda estudávamos a psicologia . Passei o corretivo sobre o que eu havia escrito e afastei o joelho, olhei para as mãos morenas, vesti minha camuflagem e escrevi um poema paranóico.