Pontuar a Vida

Pontuar a Vida É meu modo de viver, pontuando. Talvez por essa razão, inconscientemente, pontuo bem, gramaticalmente, quando presto a atenção no texto, é lógico. Sinto a vida , não raro, entre virgulas, um amando aqui, outro subordinado ali, um aposto de mau gosto, no meio do caminho, ou vocativo nostálgico.
Tenho uma certa afinidade, vamos dizer assim, pela vírgula, dá exemplos perfeitos do “bem viver”, ou do politicamente correto: alguém tem coragem de separar o sujeito do predicado? Tem? E quando a pobre toma o lugar de um verbo covarde e omisso? “No seu olhar, a raiva.” Não vou negar que ela é bem chatinha quando explica o óbvio e, sinceramente, as conjunções: no entanto, porém, contudo, todavia, me levam à insanidade, nestes momentos enfraqueço, quase gosto do ponto final, mas só por um momento… Também é um pouco cansativa, eu sei, mas sempre se acha um pontinho simples pra descansar. Virgular é como viver, sem terminar o texto, talvez seja isso, que me faz olhá-la com tanta simpatia. Mas de uma coisa eu sei, definitivamente: não gosto do ponto final, detesto! Outro dia fiquei pensando que deveria eliminar o ponto final, de tudo. Pra quê? Alguma coisa na vida tem ponto final? Tem? Um não seco, definitivo, por exemplo. Não. É não ? Não, não é. (e agora onde coloco esse ponto final , que não é final ?) Quantas vezes na vida eu disse um não ou um sim que achei definitivo e não foi? Tantas quantas as horas que já vivi e vou viver , pontuando… Tem mais, o ponto é um “bicão”: sabe aquele sujeito que se mete em tudo? O sabe tudo! Escandaloso, curioso, até se meteu no paciente dois pontos, sem contar o atrevimento, aquele ar de mistério, de filósofo, quando aparece vestido de reticências…
Mas não é por isso que não gosto do ponto final, simplesmente não gosto porque não acredito nele. Nada é definitivo, nada! Nem a morte, aí está o infinito a desdizer o finito. Só gosto dele quando fica juntinho da vírgula; quando vira ponto e vírgula; quando a vírgula não é vírgula nem ele, ponto.