Gigolôs, Peruas e Laquês

Confesso que me sinto um pouco constrangido quando algumas madames adentram o Salão e me olham como um inútil. O hábito faz o monge e de tanto usar cachimbo fiquei com a boca torta. Solange, dona do Salão, me acorda às seis da manhã com o seu bafo azedo de cerveja, o cabelo parecendo um “panavuê”, o rímel misturado à remela nos olhos, as olheiras de coruja, e aquela escultura venusiana que a cada dia despenca aos meus olhos. Quando nos casamos na década de 70, na Igreja do Salesiano, Solange tinha sido “Rainha do Milho” em sua terra, a distante Andaraí nas Lavras Diamantina. Era um pedação de mal caminho. Rodou Mucugê, Lençóis, Palmeiras, Itaberaba buscando votos com o seu livro de ouro. Era daquele tipo de mulher que fechava a Avenida Joana Angélica com o seu andar tentador. O seu imenso rabo dentro da calça Saint Tropez desenhava uma perdição. Assobios e cantadas sempre ouvi nas avenidas dessa vida. E, aos poucos, nesses anos de guerra, fui me acostumando com a sua silhueta barroca mais parecida com uma tela de Rubens. Conheci-a na Mesbla, trabalhando como demonstradora da linha de cosméticos da Coty. A primeira vista, foi uma paixão que durou uma década, entre velhos motéis do Largo Dois de Julho, batida de limão no Diolino, e noitadas na Lagoa do Abaeté. Quando dei por mim, já estava casado, de papel passado. Eu era Corretor de Seguros, trabalhava no centro financeiro da velha cidade da Bahia na Rua Conselheiro Dantas. Ganhava o suficiente para bancar as vontades extravagantes dessa “titirane”. Solange se parecia com um bolero, destes que eu ouvia numa churrascaria de Amaralina. Ela tinha o corte de cabelos dos personagens de novelas da Globo. Quando “Pigmaleão 70” esteve no ar, Solange imitou Tônia Carrero. Eu sou um torcedor doente do Bahia, desde os tempos que Borracha era o goleiro, aquela garantia. E Elizeu fazia gol de calcanhar no Vitória do baixinho Osni. Sou apaixonado pelo “Esquadrão de Aço”, desde que Osório Villas Boas levou o meu time em 1958 para uma excursão na Rússia. Tempo da catimba. Hoje se você me pergunta em que posição Ueslei joga, não saberei dizer. Há tempos que não vou à Fonte Nova, que não mais escuto a Resenha Esportiva. Esse Salão de Solange consome meus dias.
Por mais que eu faça, não sou reconhecido, não passo “do marido da dona do Salão”. Fui posto p’ra fora da Companhia de Seguros Aliança da Bahia e há 20 anos me acho desempregado. Fazendo bico, consertando a porta do Salão, trocando lâmpadas, vendo a parte hidráulica, sendo menino de mandado, pegando fila, pagando as contas da megera. Me passo às vezes como segurança da casa. Botando moral no ambiente por ser o único macho presente no recinto. Fico de cabeça baixa, sentado, lendo num jornalzinho as fofocas da tevê. Toda a sorte de comentários, eu sei que mais tarde, surgem ao meu respeito. Mas o que posso fazer? Ela exige que eu fique direto. Da cueca ao barbeador, é Solange que compra para mim. Mas como no velho bolero “tu me acostumbrastes, a todas essas cousas…” vou levando a minha vida de gigolô. Meio vagabundo, eu sei, mas no fundo não sou só eu, há muitos que nem de casa sai. Não tivemos filhos, graças a Deus, Solange tem a barriga seca, é estéril. Teve um tempo que quis adotar uma criança, eu tirei essa idéia dela da cabeça, já chega de tanta consumição. Domingo de tarde Solange descamba a assistir Silvio Santos, eu me mando para Federação para bater o meu baba. Ela se reta, diz que eu tou traindo. Mas quem aguenta de segunda a segunda suportar Solange no calcanhar. Eu volto da Federação “cheio dos pau”. Tem semanas que é os amigos que me trazem. Eu mal consigo ler o letreiro do ônibus.
Solange fica puta da vida. Diz que “segunda é dia de branco, e que eu estou me estragando, gastando a vida num dia”.
Solange é insaciável, todo dia quer ferro. No dia que eu brocho me chama de “inadimplente”. No ano passado tive um caso com uma cliente dela, uma coroa de nome Anamim que tinha um tufão nos quadris. Quase que Solange desconfiou. Mais eu sou canceriano, manjo da arte de mentir. Quando vi que a coisa ía pegar, sair da encrenca. Se Solange me der um pé na bunda aonde é que eu vou parar? O apartamento que moramos no Barbalho é financiado pela Caixa, Solange só vai terminar de pagar quando ela morrer. A cada ano que me dirigo para às Mercês, o saldo devedor tá maior do que Solange já pagou nesse tempo todo. Minha sogra, Nair, não me suporta. Acha que eu sou um “pau de bosta”. Ela vive em Brotas, num apartamento jóia com a vista para a Vasco da Gama e o HGE. Recebe uma aposentadoria do marido, era coletor do Estado. É quem salva Solange. O Salão no meio de semana não tem um pé de pessoa. Eu já até aconselhei Solange a desfazer do negócio, abrir uma casa de massagem lá para os lados da Linha Verde , é o que tá dando dinheiro hoje em dia.
Mais ela diz que sair desse ramo “nem morta”. Ela têm três pivôs na boca, bem na fachada da frente, toda a sua dentadura é postiça. Quando há casamentos Solange dá mega-hair nos cabelos, tintura, vaidosa !!! Anda beirando os cinquenta, sonhando em fazer uma lua mel Punta Del Leste. Passear a terra de Gardel, passar uma noite dançando tangos. Algumas amigas dela lhe aconselham a me largar, dizem que “eu sou uma pedra em seu sapato”. Mas Solange é apaixonada por mim, não vive sem a minha vara. Fogosa como ela é, não encontraria outro homem igual. No fundo, eu acho que suas amigas me cobiçam, têm é inveja de Solange. Onde é que ela encontraria um homem hoje em dia que estivesse vinte quatro horas à sua disposição. Só na Sabrina, nos Capricho, nos Contos de Fadas. No ano passado, Solange passou uma semana afastada do batente. Fez plástica nos seios, eles ameaçavam despencar. Fez plástica vaginal, ficou apertadinha. Se me perguntam no Bar se eu já brochei, desconverso. Digo que continuo dando couro em qualquer quarto de lua. Mais tem noites que eu abuso de Solange como o Diabo corre da cruz. Ela fica se jogando, me chamando de ” meu tesouro”. Eu fico numa sinuca de bico. Deixei de jogar no bicho porquê meus palpites são infelizes. Me viciei nestas maquininhas cata-níquel, que têm aqui no Largo do Mucambinho. Mas quando Solange descobriu cortou meu barato. No prédio que moro ninguém pode dizer que eu não trabalho. Trabalho sim, acordo cedo, abro o Salão, dou faxina, boto a casa em ordem. Quem quiser que diga que eu sou gigolô, eu nem ligo! Tomo dois banhos por dia, só vivo nos trinques, uso perfume da Avon. Meu fraco é uma rabada, um mocotó, uma feijoada suculenta, uma moqueca de arraia. Cerveja pra mim só Brahma. Cigarro, maconha, Lexotan, nem pensar… Quando não descambo pr’o baba, pego Solange, vou curtir na Ribeira, comer caranguejo na Pedra Furada. No tempo que Sandoval se mudou para a Pituba eu não saia de lá. Passava a noite toda dançando. Mais hoje em dia, fico de quarentena esperando um convite de alguma amiga de Solange para um casamento ou formatura. Aí eu me esbaldo. Bebo e como até o cu fazer bico. No fim da festa, Solange pega um guardanapo, enche de salgadinhos para o nosso café da manhã. Eu nem me importo, tou preocupado é com a minha barriga, quem quiser que se dane…