Juro que não posso…

Olhar pro céu, exercício quase esquecido. Que meu antepassado também se assustou assim com esta lua que já começa a se arredondar, quase cheia, quase? Olho para o céu deste outono varrido de ventos frios e fico imaginando ausências grandes e pequenas. Fico imaginando faltas, criaturas, tentativas de trazer para o tempo presente um tempo que nem mais existe e lutar para que dentro deste tempo, esta ampulheta-relógio, ainda se possa ser feliz a despeito de tudo. Fico fumando ali, olhando a lua e seu contorno de pérola. Meus olhos olham a lua com olhar acariciador: Onde li, por exemplo, um verso sobre o luar no início do Outono?
Perco-me olhando o céu, Aldebarã tão visível, lá reside a minha tribo que se foi primeiro, gente que sabia decor Voltaire, Platão, Santo Agostinho. Aldebarã tão longe, Lua, e eu aqui olhando a Lua quase, por um triz, arredondada.
Penso que fiz muitas concessões à Vida, que ainda continuo fazendo concessões demasiadas. E penso, ainda que triste, ainda que consciente, que por todo o resto da areia deste relógio eu farei concessões se quiser ser um pouco feliz.
Instantaneamente, olhando para o alto, ainda que noite, uma petúnia de cor violeta-escuro nasce no meu coração e rasga as minhas carnes, desdobra as pétalas, entreabre-as, dá ao ar o ar da graça, espécie de milagre que ninguém vê, mas existe tontamente nos meus mais dentros.
A cabeça inclinada, a idade que tenho, as mãos que levo, os filhos que tive, as pessoas que amo… tudo me acompanha nesse desajeitado observar o céu. Lá em cima- na infância me ensinaram – moram anjos que nos cuidam, nos conduzem. E eu ainda quero acreditar nisso. Sei que sofrerei ainda, que ainda serei feliz, embora caladas bocas às vezes me ofendam com seu silêncio entre pedra e sangue. Mas não deixo que agonize dentro de mim os sonhos mais perfeitos.
Olhando assim a lua perolada, nacarada de nuvens e de cor tão tênue, imagino que embora uns não queiram e outros queiram demais, para tudo dá-se um jeito. O difícil é o desajeito, se é que esta palavra existe. E se existe, Hollanda, é triste como se tudo fosse um passarinho preso dentro do meu peito.
Olho a Lua, satélite. Alguém me disse, rindo, que daqui a alguns bilhões de anos, a lua saírá da rota da Terra e se desgarrará. Ri também: bilhões de anos: já nem estaremos mais aqui… Mas estarei, com certeza. Um resto do que foi meu corpo, um átomo do que foi minha carne, um nêutron do que foi meu sonho… Minhas idéias serão pólen, talvez. Talvez esporos.
E, tomara, que daqui a bilhões de anos, uma outra mulher, olhando a lua, numa noite como esta, em pleno abril de outono, possa nela enxergar as saídas mais bonitas, as portas mais abertas para os sonhos que um dia eu, timidamente, sonhei.
E que ela – ah, futuro! – encontre seu doce fio de Ariadne e com ele fuja, doida, doida, do labirinto do Minotauro.
Pois eu, olhando a Lua, juro que já não posso.