As forças humanas e outros modelos matemáticos

Certa vez, quando ainda era criança, perguntaram-me sobre o que era a força de uma pessoa. Respondi que era a capacidade de alguém levantar carros com as mãos e de dar super socos em homens maus. Anos depois, como resposta a esta mesma pergunta, disse que forte era aquele capaz de não ter medo das dificuldades da vida, de não ter remorso pelos erros que cometeu e de não sentir tristeza ao perder algo querido. Hoje fui apresentado a uma nova realidade.
Matemática. Essa sim era a minha realidade, desde pequeno. Fui apresentado ao conceito formal de esfera aos sete anos, aproximadamente. Tetraedros regulares e quadrados perfeitos vieram com o tempo, assim como vários outros modelos matemáticos, sempre de forma sublime e fascinante. Era uma relação de deslumbre. Algo como ouvir pela primeira vez as melodias de Mozart ou os magistrais acordes de Stairway To Heaven, do Led Zeppelin. Esta ciência conseguia ser simétrica, lógica, metrificada e ao mesmo tempo de uma sensibilidade que nem o mais passional dos artistas conseguiria recriar. Perfeita! Eu nunca tive dúvidas de que a Matemática teria uma influência fortíssima no meu futuro. E eu nem sabia da existência do vestibular, o açougue dos tempos modernos.
Você deve estar se perguntando sobre a relação entre as forças humanas e a Matemática, correto? Elas têm muito em comum, caro interlocutor, na medida que ambas se relacionam ao protagonista maior da História, ao circuncentro disso tudo, ao criador/criatura das ciências: o Homem.
Podemos comparar, por exemplo, a simetria dos triângulos com o bom senso. Todas as outras figuras, planas e espaciais, podem ser obtidas através de triângulos. É uma espécie de unidade geométrica. De modo análogo temos o bom senso, indispensável para a construção de qualquer caráter. O político usa o bom senso para se aliar apenas às pessoas certas nas horas certas, o mocinho o usa para não provocar demais o vilão (ele deve proteger os inocentes!), o vilão o usa para fugir quando perde no final, e assim por diante. É fato que nem sempre as coisas saem como queremos. Adaptações e aproximações se fazem necessárias. Numa circunferência os “triângulos fundamentais”, de tão finos, se tornam segmentos de reta (os raios!). Imperceptíveis. Por um acaso você consegue perceber, pelo menos “a olho nu”, o bom senso em um bombeiro que se joga de um andar para o outro para salvar um possível suicida, em detrimento a sua própria segurança? Que tal uma mãe que diz ao obstetra que faça o que for necessário para salvar o bebê, mesmo que isso signifique sua morte?
Tanto a simetria quanto o bom senso devem ser, como diria a IUPAC, “não omissos porém não redundantes”.
Retomemos meu caso com números primos e algoritmos. Meu irmão, oito anos mais velho, foi o responsável pelos meus primeiros contatos com a Matemática. Ele, hoje engenheiro mecânico, sempre me ajudou com deveres escolares, dúvidas imbecis e não imbecis, etc. Foi a figura mais próxima de um pai que tive na minha infância e na minha pré-adolescência. Eu não poderia fazer esse tributo à Matemática sem citá-lo. Uma das coisas que ele fez nessa nossa caminhada, certamente sem saber, foi encher-me de um desejo incontrolável de ser igual a ele, de ser tão bom quanto ele. Foi então que a Matemática apareceu como uma chance de mostrar para ele que eu conseguiria, que eu seria capaz.
É aí que volta o açougue dos tempos modernos. Somado à responsabilidade de passar no ITA, universidade onde meu irmão se formou, havia a responsabilidade de ser campeão na Olimpíada Brasileira de Matemática, outro título do maninho. No dia 12 de setembro desse ano realizou-se a segunda etapa da referida Olimpíada. Seis questões, uma cabeça, uma caneta e quatro horas e meia de prova. Lá fui eu! Tentei de tudo, pensei em várias possibilidades, cheguei a “sair multiplicando tudo pra ver se dava”, no meio do desespero. Resultado: não passei por dez pontos, valor de UMA questão! Só alunos secundaristas podem participar de Olimpíadas de Matemática. Se eu passar no vestibular, o que eu espero que aconteça, esse terá sido meu último ano nas tão sonhadas competições…
E sobre a realidade a qual eu fui apresentado? Ela veio com essa minha “derrota”. Eu aprendi que forte não é aquele que não sente medo ao estar em perigo, e sim aquele que consegue tirar do medo o bom senso necessário para escolher entre a fuga e o combate, entre triângulos e instintos, entre o certo e o errado. Forte não é aquele que não sente remorso, mas sim aquele que o transforma em saudades e em memórias de vida, para levar adiante apenas as experiências boas. Não reclame por ter caído no chão, apenas levante e passe a olhar por onde anda. Não chore pelo amor perdido, apenas lembre os bons momentos, dê um belo sorriso e abrace alguém que esteja perto de você, no presente, e que realmente te ame. Forte não é aquele que não sente tristeza, mas aquele que a sente sem perder o controle, sem se desesperar, sem perder de vista o infinidade de coisas maravilhosas que o cercam, que vão dos triângulos fundamentais às relações Matemáticas ainda desconhecidas pelo homem, dos gestos simples às artes marciais, do Pachecão ao Pink Floyd, chegando àquilo que é a maior das forças humanas e ao mesmo tempo o mais complexo dos modelos matemáticos: o amor.