Certa tarde de dezembro do ano passado a nossa amiga, mais amiga do que empregada doméstica, Carolina, que nos ajuda nos serviços de casa, chegou-se a mim e disse : ” Sr. Simões, a Sofia ( filha dela) disse que vem falar com o senhor logo mais. Acho que ela vem lhe fazer um convite.”
Bem, gostamos muito de Carolina e seus filhos e admiramos a garra com que ela segurou uma barra muito pesada sendo mãe e pai de seus dois filhos, hoje com 19 anos ( Sofia) e com 18 ( Marcinho). Eles têm pai, ou pelo menos o vêm todos os dias e noites pois está vivo, mas não participa da vida da família desde que os filhos eram bem pequenos. A bebida o afastara dos familiares e até dos empregos.
Por volta das 16 horas Sofia realmente veio até cá e bastante emocionada, pondo seus bonitos olhos de gata em mim, buscando com dificuldade as palavras que queria certas, finalmente falou:”Se o senhor não se importasse eu gostaria que fosse meu paraninfo. Minha formatura vai acontecer depois de amanhã lá no Colégio 17 de Agosto. O senhor aceita?” Eu fiquei emocionado. Ela não me fazia apenas um pedido, mas um apelo que me cobria de homenagem e responsabilidade.
Segurei as mãos dela que transpiravam a ansiedade natural de quem deseja muito uma resposta mas teme pela mesma. “Claro Sofia, claro que aceito filha. Mas você chegou a falar com seu pai sobre isto?” Baixando a cabeça Sofia sentenciou: “Ele nem sabe que estou concluindo o segundo grau…”
Finalmente chegou a noite de 16/dezº/2000 e lá fomos, eu, minha esposa, Carolina e Sofia juntos, o Marcinho nos esperava no Colégio. Um grande salão cheio de mesas, com arranjos de flores em cada uma, esperava pelos convidados. O tempo passava e o salão continuava a esperar. Muitas mesas vazias.
Os formandos já se reuniam em grupos conversando, brincando, a alegria era a tônica, estavam visivelmente felizes. Era mais um passo a caminho de um futuro incerto pois a esmagadora maioria não teria condições de sequer sonhar com freqüentar uma faculdade. Eram todos de origem bastante humilde, porém orgulhosos de ver seu esforço pessoal coroado naquela noite após terem nadado tanto e tanto contra correntezas que há uns poucos afogara na travessia.
Bem, com a presença da Diretora e alguns professores e após cantarmos todos juntos o Hino Nacional, com mais eficiência que nas cerimônias do futebol, iniciou-se a entrega dos diplomas. Cada aluno que subia e se dirigia à mesa diretora dos trabalhos recebia a habitual salva de aplausos temperada com assovios e tiradas de bom humor dos que ainda aguardavam a sua vez. Sofia estava bonita, feliz e nervosa, claro. E eu, um paraninfo improvisado, disfarçava, na maior experiência de vida, uma emoção que ressurgia das cinzas do meu passado distante.
Um a um os formandos foram sendo chamados e nos despertou a curiosidade o fato de que muitas mesas continuavam vazias e os próprios colegas ascendiam ao palco e se revezavam no ato de paraninfar este e aquele jovem. Eles pareciam não sentir o que para nós já se desenhava como uma tragédia: a ausência de muitas famílias. Na verdade o hábito os teria investido da capacidade de simular uma felicidade que em seus corações, com certeza, não era completa.
Sofia foi chamada e eu me dei conta da responsabilidade que aumentara sobre meus ombros compensada pela alegria irradiante dela. Se eu tivesse dito “não”ela teria sido condenada à amargura compartilhada, lá bem no íntimo, por muitos dos seus colegas. A mãe fotografava tudo.
Quando lhe entreguei o diploma que me passara o professor Rocha, paraninfo da turma, libertamos nossos sorrisos, nos enleamos num abraço familiar que coroei com um carinhoso beijo em seu rosto. A turma toda, em coro, explodiu num…ooohhhhhhhh divertido, respeitoso, festeiro e qual político em campanha, acenei para eles junto com Sofia.
Terminada a cerimônia nos retirávamos do Colégio quando pouco antes de cruzarmos o portão vimos um jovem conversando com uma colega. Ela lhe fizera uma pergunta e ele respondia assim: “Eu, convidar meu pai para ser meu paraninfo? Menina, nem ele nem mamãe se interessam por saber se estou estudando, que notas tiro. Foi melhor assim.” Saímos em silêncio. A Formatura havia terminado.
(Todos os fatos relatados são verídicos, aconteceram mesmo, assim como as datas. Os nomes dos personagens centrais é que foram trocados, menos o meu)