Edição nº 27 – 28/04/00
Sentido!
Levanta, como sempre, em cima da hora: 5:52. Veste correndo a farda de serviço. Ajusta o cinto, calça o coturno e amarra o cadarço comprido. Precisa aprender aquele jeito de amarrar isso mais fácil! E despenca pra rua ainda com as luzes dos postes acesas: 5:54. Nada de café, na boca o gosto ardido de pasta de dente. Seis minutos para chegar ao Tiro de Guerra. É uma boa carreira. O corpo inda há pouco dormindo reclama do esforço. Um minuto de atraso e entra na escala de guarda na certa. O sargentão não perdoa. Corre, corre. 5:57. Desemboca na rua do Tiro. Azar. O sargentão caminha devagar pra chegar às seis em ponto e começar a chamada. Pelo regulamento não pode ultrapassar o sargento. Se for atrás dele, atrasa-se. O safado regula o passo exatamente para isso. Tem de contornar uma rua e chegar pelo fundo. 5:59. Chega a tempo de ouvir gritado seu número: 160! Aqui! – responde firme. Em forma. São 6:00 em cima da pinta. O sargento filho da puta começara a chamada de trás pra frente. Mas levanta a cabeça decepcionado, como se esperasse o seu atraso. Pena! Escapou por sorte. Até agora. Segue a chamada.
Mas ainda resta a revista. O sargento caminha de mãos para trás, percorre carrancudo as fileiras do pelotão. Pegou um com falta de botão na gandola: guarda no fim de semana; outro com dois toquinhos de fios de barba na cara: guarda! Anote aí, cabo! Mais um, porque se mexeu na formação. Chega à frente dele: impecável. Examina atento, olho firme: nada! Não vai ser desta vez! Barba perfeita, bibico enterrado na cabeça; desce o olho pela farda passada no capricho, coturnos reluzentes, posição de sentido, respiração parada, peito enfunado. Sentido! Junta mais os calcanhares, enrijece-se automaticamente, e levanta o queixo. Descansar! O sargento se afasta. Até que enfim! Ri satisfeito. O sargento volta-se de repente: guarda! pra aprender a ter respeito hierárquico!
Adeus fim de semana.