Manhã de outubro, a aula de História corre solta, enquanto me olho no espelho, não mais que um pedaço de vidro, bordado de alumínio, mas cheio de devaneios, refletindo sobre a origem das relações humanas. Não que eu tenha adversidades com o Jango, com o Kremlin, com o Roosevelt ou com o professor, não é isso, pelo amor-de-Deus. Pra falar a verdade, a aula de filosofia nem era muito boa e não sei sequer de onde surgiu esta questão, cunhada há anos, por tantos e tantos filosófos, Sócrates, Gandhi . . . por que nos assemelhamos mais a determinadas pessoas do que a outras? É claro que há casos e casos, como já profetizara o vago, e não se faz necessária qualquer geometria abstrata, idiossincrática, para chegar-se a um laudo passível de veredicto . . . mas por que para determinadas pessoas, escolhidas a dedo pelo destino, duas palavras bastam, nem isso, um simples olhar para percebermos que ela será a companheira a cada momento, a cada punhal cravado na soberba inquietação das horas, momentos. Estranha sensação de que a amizade, ou amor, ali nascentes – acredite, eles nascem – persistira há milênios, embora cravado há minutos.
Mais ou menos há um ano, fui pego de surpresa (e, graças às aliterações, literalmente), por um abraço que não me tinha como destino. Surpresa, ela fez questão de desculpar-se. Nossos olhos se fitaram por um instante. Um estranho momento, eterno, terno, que só semanas, substantivos e um bocado de predicativos depois descobriria chamar-se epifania. A partir daquele momento, lembro-me como se fosse hoje, sabia que havia encontrado o alguém especial, que há tantos lábios despedaçados, lágrimas sobrepostas no travesseiro, procurava.
Entretanto, desde minha vinda para São Paulo, graças à pirâmide invertida, ao determinismo maclunático, ao jornalismo e até mesmo à tristeza, tal mística havia se ocultado de minha razão. Somente uma reação natural dos neurônios, cansados de tanta ladainha. Os amigos, o novo, as festas, contribuíram para que tudo aquilo que um dia me fizera gozar e sofrer se apagasse repentinamente.
Contudo, há cerca de um mês, tão belos olhos novamente se entrelaçaram aos meus. Ao contrário de outrora, não percebi qualquer sintoma. É certo que não eram os mesmos olhos, mas isso não importa, pois nada, reitero o nada, seria capaz de retirar tamanho brilho e virtude. Não era nada com ela, não havia nada de errado com ela. Teria perdido o poder, todo encantamento? A cidade grande é uma estúpida geladeira das sensações.
Insistente, como todo e qualquer texto jornalístico bem escrito, nesta manhã, voltei a olhar para os mesmos olhos que à primeira impressão nada me causaram. Fixei-me neles, um predador em frente à presa, sem que ela percebesse. Até agora, me sinto um completo idiota, romântico insano, que, embriagado, cavalga sobre os olhos, rubis púberes dos fatos. Curvei me novamente ao meu caderno, envergonhado por aqueles segundos de fascínio. Estava recuperado sem, na verdade, nunca ter me encontrado perdido.
Fixava novamente meus olhos nos dela, quando estes cruzaram-se aos meus. Aprisionado, vagaram-se meus sonhos distantes. O velho encanto retornara, em áurea distinta, é claro, de tudo o que já havia visto. Um sorriso, uma piscadela e nada se esquiva menos de minha alma do que uma boa dose de superstição: a inicial do nome dela é a mesma de antes . . . epifania, de novo ou, simplesmente destino.