Luiza morava numa casa muito simples de dois cômodos: um que servia de cozinha e sala e quarto de costura da mãe e outro, com um pequeno guarda-roupa e duas camas grandes, de dormitório, onde todos dormiam: a mãe, ela, os três irmãos e o pai, quando aparecia. Na frente da casa, junto ao poço, uma arvorezinha, sempre florida, com uma flor que se assemelhava a um copo de leite, branquinha e leitosa.
Sempre que tia aparecia, invariavelmente, sorria e dizia pra Luiza, enquanto acariciava seus cabelos:
-_ Essa árvore gosta de você, Lulu, por isso esta sempre florida, um jeito de dizer que gosta de você. Quando a gente gosta de verdade de alguém, a gente dá o que tem de melhor, entende ? O que a árvore tem de melhor são essas flores. Já percebeu que nunca deixa de dar flores pra você?
A tia gostava de contar histórias de santos, principalmente de meninos e
meninas santinhos. Eram histórias sempre delicadas e tristes, as crianças eram pobres e sofriam muito. De todas as histórias, Luiza gostava de Santa Izildinha, uma menina linda, mais ou menos da sua idade, uns 7 ou 8 anos, uma menina que via a Nossa Senhora.
Numa tarde a tia deu pra ela a foto da Santa Izildinha, uma foto antiga, meio azulada, um pouco desbotada. Luiza esperou quando todos na cozinha comiam o mingau e foi esconder a foto no seu esconderijo, um buraco que fizera no colchão pra que ninguém pudesse achar suas coisas (principalmente os irmãos).
Foi dormir feliz da vida naquela noite, rezou a ave-maria e o pai nosso com muito mais fervor e responsabilidade, afinal a Santa Izildinha estava ali, pertinho, no seu esconderijo.
Uma tarde a tia nem tinha entrado no quintal quando a mãe de Luiza veio a seu encontro histérica, furibunda.
-_ Não sabe o que essa menina fez. Não sabe. Acredita que hoje de manhã quando acordei simplesmente tinha destruído a arvore dos copos de leite? Arrancou tudo, tudo. E por mais que eu pergunte não conta, só chora. Está de castigo.
A tia de Luiza não disse nada, foi até o quarto , sentou-se na cama e, passando os dedos suavemente pelos cabelos de Luiza , olhando daquele jeito que olha os miolos, perguntou:
– Por que fez isso Lulu, com a sua árvore, você gostava tanto dela? Conta pra mim, querida, conta!
Luiza inchada de tanto chorar, encolhidinha na cama…
– Não quero ser santinha tia… não quero…
– Como, querida, como santinha?
– Sabe a minha arvorezinha que gostava de mim?
– Sim, sei lindinha, mas você destruiu ela.
– Precisei, tia, precisei, ela tava fazendo eu virar santinha.
– Como assim, Lulu?
– Sabe. tia, não era ela que dava flor pra mim…
– Como assim, Lulu, lógico que era, quem mais poderia ser?
– A Nossa Senhora!
– Como? Que Nossa Senhora, Lulu?
– Ela é que dava flor pra mim, tia.. Sempre que eu olhava pra árvore, Nossa Senhora aparecia, toda de azul, bem no alto e de manhã nascia sempre mais flor.
– Lulu, se a Nossa Senhora é que te dava a flor, melhor ainda.
– Não, não era não, se fosse a árvore eu não ligava.
– Como, Lulu, explica melhor pra tia.
– Eu via a Nossa Senhora, igualzinho a Santa Izildinha.
– E não é lindo ver a Nossa Senhora, Lulu?
– É, mas eu não quero ser santinha.
– Como assim, Lulu?
– Ora, tia, todos os santinhos que a senhora conhece tão mortos, né? Não tem nenhum santinho vivo, tem?
– Bem, Lulu, santinho morre sim, fica no céu.
– Mas eu não quero ir agora pro céu. Quero ficar aqui com você, com minha mãe, com meus irmãos e quero esperar quando o pai chega também.
……………..
Naquela noite, na hora do mingau, Luiza guardou, cuidadosamente, no seu esconderijo, junto da foto de Santa Izildinha, uma flor de copo de leite.