Pra Não Dizer Que Não Passei Cerol na Mão

Depois de ler notícias a respeito do baile funk e da dança das cadeiras, fiquei pasmo. Quer dizer que as mulheres vão ao baile sem calcinha, brincam de sentar no colo de quem está nas cadeiras quando a música pára e ainda engravidam? Dizem, os que trabalham em postos de saúde, que os casos de gravidez aumentaram e, segundo relato das próprias que brincaram de cadeira-sem-calcinha, foi assim mesmo. E o pior: como são várias as cadeiras e, portanto, variado o “colo”, não se sabe quem foi o pai.
Tudo isso noticiado na semana do dia internacional da mulher. Terrível para a imagem das mulheres, que tanto lutam pela “causa”. Por que têm que existir essas moças que gostam de ser chamadas de “cachorras”, “potrancas” e “popozudas” como se, isso sim, fosse sinal de carinho? Fiquei pensando em como deve ser difícil a tal “luta”. Assim fica difícil.
Fiquei chocado com tudo isso e logo veio à cabeça a frase original: “onde vamos parar?” Como pode a mídia deixar isso passar assim? Isso dá ibope? Que coisa terrível. Pensei filosoficamente nisso tudo, no mundo perdido em que vivemos, cheio de drogas, aids, sexo inseguro, nas mazelas da televisão, no caos cibernético em que se pode acessar tudo de bom e de ruim, na violência, no tráfico de drogas, nos adolescentes que morrem ao saírem desses bailes. Pensei em tudo isso, lamentei, li um pouco de jornal, li, depois, umas páginas de “Chatô: o rei do Brasil”. Parei tudo para jantar. Tomei um delicioso cafezinho e aquele absurdo da dança das cadeiras e das moças de dezesseis anos sem calcinhas não saía da minha cabeça. Essas coisas mexem mesmo com a gente.
No dia seguinte a mesma martelação, recarregada com comentários de amigos, mais artigos nos jornais sobre o assunto, ‘charges.com.br’ batendo na mesma tecla, e-mails comentando as letras sexuais (sabia que passar cerol na mão é cuspir para lubrificar o “vocês-sabem-o-quê”?)… Que coisa mais absurda! E os pais dessa gente? Onde estão que deixam as moças assim, sem calcinhas por aí?? Depois de tudo isso, cheguei a uma conclusão.
Tenho que ir num baile funk desse.
E foi assim que, às dez e meia da noite, eu colocava minha calça jeans e minha camisa de botão com a manga dobrada até os cotovelos. Burro. Deveria ter ido com uma bermuda até os joelhos, camiseta sem manga, um tênis absurdo e um boné de pala enorme. Mas tudo bem, para primeira vez até que me saí bem. O mais importante, escolhi a calça velha cujo fecho éclair vive abrindo sozinho. Precisava facilitar as coisas para a dança da cadeira. Hehehe.
Lá fui eu. Na entrada, o negão estranhou. Para dizer a verdade, eu mesmo me estranhei. Era o único daquele jeito. Não sei explicar direito, mas minhas roupas saíam um pouco do padrão “tigrão”. Que me desculpem os ativistas do movimento negro, mas era um negão que estava de segurança. E, com todo o respeito, no aumentativo mesmo.
Já lá dentro – do baile, claro – meio deslocado, fui até o bar tomar uma cerveja em copo descartável e, para animar, tomei um conhaque e, não satisfeito, tomei uma caninha. Agora sim, estava pronto para a dança das cadeiras.
“Quer dançar, quer dançar, o tigrão vai te ensinar… Quer dançar, quer dançar, o tigrão vai te ensinar…” Estava ali há meia hora e devia ser a terceira vez que essa música tocava. Ou será que não tinha acabado? Eu bem que tentei prestar atenção nas músicas, mas estava preocupado com “onde estaria rolando a dança das cadeiras” e acabei ouvindo só uns trechos. Lembro bem que deu vontade de correr quando o cara cantou que ia passar cerol na mão e ia me pegar, mas percebi a tempo que ele se dirigia a uma popozuda e fiquei na minha. Ela que se vire, no mais amplo sentido que a expressão possa permitir.
Mas onde diabos estariam as tais cadeiras? Já passava da meia noite e não vi nenhum agrupamento de cadeiras no centro do salão com homens sentados e adolescentes de dezesseis anos sentando nos respectivos colos. E eu ali, sem cueca, achando que a coisa deveria esquentar mais tarde. Tomei mais uma e mais outra para ficar “calibrado” quando chegasse a hora e, mais desinibido, pudesse deixar meu bingolim de fora, pronto para a sentada de um popozão. Aliás, um esclarecimento lingüístico: “popozuda” se escreve assim mesmo, com ‘z’, senão não é autêntica. Com ‘s’ são as de baile refinado da zona sul, como o do canecão, na última terça-feira. Ali só tem popoSuda. Onde eu fui, o que tinha era popoZuda mesmo, as verdadeiras.
De repente, com meu copo descartável na mão, parado e observando todo mundo dançar, tentando perceber quem seriam as meninas que estariam “preparadas”, já sem calcinha, para a hora do “assim… assim”, encosta um cara com os olhos esbugalhados e vermelhos, sério, e me diz: “Tu tem cara de alemão! Tu é alemão, né?” Não entendi o tom agressivo, mas ele devia estar sob o efeito de algum remédio, um antidepressivo, talvez. Eu, como estava ligeiramente alcoolizado, tentei, com urbanidade: “De fato, meu sobrenome é Fauth e sou descendente de alemão. Muito prazer”. E estendi-lhe a mão. O rapaz levantou a sua e deu uma porrada na minha: “Está tirando onda com a minha cara?”
– Absolutamente! – respondi.
Acontece, caro leitor, que “absolutamente” significou, para ele, “totalmente”, e ele não estava absolutamente errado, não é mesmo? Fui agarrado pelo braço e parecia que ele era aquele do cerol, pois sua palma da mão arranhava. Um outro chegou, perguntando o que estava acontecendo. Eu respondi que era porque eu descendia de alemão. Depois do “absolutamente”, o “descendia” acabou prejudicando mais ainda.
– Ele está tirando onda da nossa cara, esse alemão escroto! – Disse o do cerol e me deu uma joelhada na barriga. Poderia ser no saco, mas me poupou. Entretanto, apenas esse gesto foi capaz de acordar a turba de “amigos” daquele tigrão.
“Dói, um tapinha não dói… Tapinha! Dói, um tapinha não dóóóóói”. Mas em mim doeu o tapão. Caí sentado e, por ironia, a música do tapinha rolando. Juntou mais gente. Até que, diante da minha não-reação, alguém gritou: “o cara é da paz!”. Discutiram entre si e decidiram que eu não era ofensivo. Aliás, um perfeito banana. Bater em mim era covardia. Mais fácil que matar barata, pois esta última ainda corre.
Um dos “amigos” ajudou-me a levantar do chão. Percebi umas risadas cachorras e notei que, na confusão, meu fecho éclair abriu e, como estava sem cuecas e caí sentado, meu piu-piu modesto estava querendo fugir desesperadamente. Agora entendi porque um dos apelidos das meninas nesses bailes é “cachorra”.
– Vai rir da sua avó, sua cachorra! – esbravejei com a que estava mais perto e rindo mais. Para meu espanto ela tomou aquilo como um elogio.
– Ai, tigrão, não fala assim. – respondeu jogando um beijo e sumindo na multidão.
Não consegui ver se estava sem calcinha.
De qualquer forma, o amigo que me ajudou a levantar, pôs a mão no meu ombro e fomos andando em direção à saída. Ele ia me convencendo, dizendo que qualquer um que olhasse para mim saberia que era a primeira vez que eu ia a um baile daqueles, que de longe tinha notado minha presença, essas coisas. Sintetizando o que ele disse: daquele jeito, além do papel ridículo que eu fazia com minha cara “coroa-quer-pegar-popozuda”, eu não ia comer ninguém.
Saí do baile decepcionado. Não vi cadeira, muito menos a tal dança. Fui pensando na inusitada experiência enquanto percorria, a pé, o percurso que levava da porta do baile ao estacionamento. Só eu saía, naquela hora. Os seguranças, tranqüilos, faziam uma rodinha e batiam papo. Já perto do carro, o negão que me vira na entrada cotuca seus companheiros, mostrando minha direção. Todos olham pra mim e, devidamente montada a cena, ele diz:
– Ô, ‘cumpadi’. Seu ‘bingolim’ tá aparecendo.
– Oh, obrigado – disse eu, envergonhadamente. Entrei no carro o mais rápido que consegui, dei um real pro amigo que já vinha me cercando e arranquei para nunca mais.
Acho que já passei da idade. Pena que, na minha época, as meninas usavam calcinhas e, quando eu brincava de dança da cadeira, tinha apenas cinco anos de idade. Se continuar assim, o futuro nos brindará com a ‘dança do bercinho’, onde não haverá cerol na mão, mas óleo Johnson e outras coisinhas mais, como a brincadeira do chocalhinho e a coreografia da ‘chupetinha’.
Mas aí já quero estar bem longe.