Por ser Quase Ano Novo

Dezembro ainda no ar, de repente me assusta o pouco que falta para o ano 2000.
Dezembro no ar, corisco, anúncio de que mais um ano se foi. Não… este é especial: anuncia que mais um século se foi…
Tento fazer, assim de cabeça, um rápido balanço de tudo quanto aconteceu: a alma pouco predisposta a acompanhar o raciocínio de quanto ganhei, quanto perdi. E a pergunta inevitável: entrarei no próximo século e viverei mais quantos anos?
O novo século quase se inaugurando, ainda nem nascido. Calço os meus pés cumpridores, acostumados a ir e vir. Bebo coca-cola, sento-me e me levanto, folheio livros, digito textos. Escrevo, porque nasci para estas duas coisas: nasci para ensinar e escrever. Digito os textos com a preguiça macia que o calor traz, e olho para as pessoas, sempre, sempre procurando descobrir nelas a verdadeira identidade.
Que faria com o resto dos dias que faltam para acabar o ano? Serei feliz, serei triste? Terei que escolher caminhos novos? Que outras dificuldades, senão as de hoje, aparecerão sem que eu me dê conta e perceba?
Meu coração não sabe das respostas.
Meu coração quer e vai ser feliz.
Bate meu coração brasileiro, paulista, inquieto e amedrontado. Bate meu coração corintiano dentro do peito. Bate meu coração endoidecido, simples, musical. Bate.
Espero os dias, uns após os outros e neles deponho as esperanças de ser feliz, sem ser boboca. É possível ser plenamente feliz neste país de famintos?
Eu, cidadã vacinada e pagadora de impostos, taxas, juros, com CIC e RG, ainda nutro grandes esperanças.
Que velhos caminhos retomarei sobre os meus próprios passos? Por que trilhas trilharei novas estradas? Usarei muitas máscaras ainda até que tire todas e leve no rosto apenas a definitiva?
Mão sei o porquê das perguntas; também não encontro nenhuma resposta. Seleciona as imagens deste ano, única bagagem para quem atravessa de um século para o outro. Levo comigo minhas histórias, todas: as que sei e as outras, as que me contaram. Castor que sou, guardo lembranças. Castor que sou, tenho a certeza de que o banal não me interessa. Castor que sou, descubro, feliz, que as lembranças que nino, guardo e levo cabem em qualquer lugar: gaveta da memória, baú dos medos, armários mal trancados.
E organizo as lembranças como quem faz um testamento. Só que faço um testamento para a vida que amo tanto, que hei de viver, não quero morrer agora.
E as distribuo de acordo com as necessidades, preencho as lacunas, quem sabe se elas possam contribuir para o vôo invisível do pássaro que nos habita? Ah, eu sei que por debaixo das asas desse pássaro cabe tudo e nada cabe.
Amealho lembranças, gestos, afagos, carinho, beijos, mensagens, todos os eu-te-amo que me disseram. Guardo saudades, guardo ausências, guardo a falta que tudo me faz. Fecho a tampa do baú do medo, tão perigoso olhar outra vez. Tão perigoso não olhar. Mas sei que para quem tem asas é imprescindível voar.
Amealho lembranças, sorrisos, histórias de passarinzins. Tão perigoso viver, Rosa. Tão perigoso não viver…
Eros e Tânatos habitam esses dias, fim de ano e começo de outro, apenas marcas no tempo.O melhor são as marcas do coração…
Dezembro, rapidez do tempo, corisco que ofusca a vida.
Mas antes que este século se acabe, antes que comece o outro, eu grito.
E o meu grito se parte em dois: o primeiro é um grito de sim, sim para a vida, a minha e a sua. O segundo é um grito do não, um não à tempestade.
Feliz Ano Novo, feliz século novo.
Que tudo se transforme, que tudo melhore e, sobretudo, nos permita gritar mais nãos às tempestades desta vida. Que as autoridades tomem vergonha na cara, que os malandros criem juízo, que ninguém mais compre ou venda drogas de qualquer espécie, que não haja mais fome no mundo, que não haja injustiça social, nem guerras, que as escolas abram suas portas para todos, que todos tenham direito a trabalho, saúde, casa própria.
E que ninguém, em nenhuma parte deste planeta, coma lixo.
Que todos os sonhos, pirlimpimpim, sejam realidades.
Que sejamos, finalmente , dignos e bons.
Amém.