I.
Ficou ali, parada na varanda, olhando o mundo lá embaixo.
Enxugou os olhos no avental, esfregou cuspe outra vez na ponta do nariz, pra ver se a dor passava. Aprendera isso em criança ou quando?Tinha uns olhos claros, um jeito doce, uma saudade danada dele.
Dele quem? Estou apenas pressupondo, ora!
Foi daí que resolveu, assim, sem mais nem menos, se atirar no vazio. Nenhum bilhete na mesa da cozinha, nem sobre a cama do quarto pequeno, quente, com cabide atrás da porta.
Até os bombeiros ficaram tristes quando viram o corpo lá embaixo, tão machucado, entre os brinquedos do playground.
– É que ela veio batendo nas sacadas, disse o homem de bigodes.
Mas a mulher do sexto andar, perversa como serpente, acrescentou esfregando as mãos:
– Dizem que caiu gritando, coitadinha. Um horror..
II.
-Peituda!
-Gostosa!
Faz ar de ofendida, vira a cara do lado e diz baixinho:
-Cambada de bêbados indecentes!
Mas no fundo, no fundo adora voltar do trabalho e passar diante daquele bar de quinta categoria, com aqueles homens fedendo a cerveja, pinga e cigarro barato.
Em julho, fez aniversário. Enquanto cortava o bolo de abacaxi, contou pras amigas de serviço que quase tinha casado com um motorista de táxi.
Há quantos anos?
-Uns trinta, acho. Eu era moça de tudo, tinha uns 25 anos. Depois, ele morreu. Era meio velhote.
– Peituda!
– Gostosa!
Um baixinho de camisa aberta no peito sorriu rasgado pra ela. Deu até pra ver que ele usava ponte-móvel.
III.
Rosa Maria tinha mania de padre.
Solteirona, depois de costurar o dia inteiro na confecção, ainda arranjava um jeito de decorar o altar, colocar novas flores, varrer a sacristia. Vinha perfumada que só ela…
Perdia a novela das oito, o padre era velho e cochilava sentado na primeira fila, as mãos cruzadas sobre o ventre pronunciado. Era guloso que nem. Notou isso no dia que levou bolinhos polvilho pra ele.
Dera tanto trabalho pra fazer aquilo, fritar. Bolinho de polvilho explode quando está fritando, sabia?Mas o padre se aposentou e foi para a capital, morar com uma irmã viúva.
Rosa desesperou-se, mas seis meses depois estava recuperada.
Daí que chegou o padre José Luiz. Uns 45 anos, olhos verdes, um jeito manso de falar; fechava os olhos durante as homilias.
Rosa se apaixonou.
Tão loucamente e depois tão sem esperanças que, um dia, quase perto do fim do ano, foi ao armazém e pediu veneno para ratos.
Ninguém desconfiou.
Mas cinco dias depois a amiga de novena veio bater à janela e sentiu o cheiro se alastrando pelas frestas. Vomitou antes de chamar a polícia.