Destes Passos De Tantas Noites

Para Janine
Andando para casa fiquei pensando em como você era linda com seu cabelo de família Mussarela, desenho a que assistia muito quando criança. É claro que não se deve dizer isso a uma mulher linda como você, mas acho que compará-la a uma estátua greco-romana seria um lugar-comum por demais piegas. Conquanto seja exatamente isto que você ainda hoje me lembra: uma estátua greco-romana.
Você entrou naquele ambiente negro e brumoso já impondo seu passo firme, olhando nos olhos de todos em tom desafiador. Gosto disso.
Tenho medo e gosto disso. Você tem olhos de quem se prepara para uma batalha, que é esta batalha nossa cotidiana de conhecer muitas pessoas e delas tirar algum proveito. Com este seu olhar todo oblíquo e ambíguo, com algumas arestas que em nada tiram a uniformidade de sua beleza, posso dizer que você é um general nesta guerra. Eu, vítima.
Claro que não se trava uma guerra destas só com olhares. Sabe se impor e sair da mesa correndo para falar com alguém, sempre com aquele passo grave de retumbar tambores à passagem de Joana D’Arc. Nunca gostei de mulheres em preto, mas você sabe usá-lo como uma diva infestada de Wagner por todos os poros, fazendo aquele grandalhão do camarote ali de cima chorar um pouquinho.
Não, não se preocupe. Tenho autocrítica suficiente para saber que você me lê (sim, porque você há de me ler!) com escárnio ou, no máximo, com a ternura maternal de quem recebe um poema rimando dor com amor de um adolescente apaixonado. Não pretendo adulá-la, contudo. Quero lhe dar asas e, quem sabe, admirar mais uma vez seu sorriso.
Faltou falar do sorriso, claro. Dele desdenhei quando vi pela primeira vez. Muitas vezes não quero acreditar, simplesmente. É mais fácil achar que sorrisos como o seu, que misturam a delicadeza feminina com certa acidez que eu particularmente só vi recentemente em psicopatas, sorrisos como o seu simplesmente não existem. São sorrisos perfeitos justamente por esta imperfeição: não são ternos; são duros. Seu sorriso, se me permite a ousadia que nem ousadia é, incitou-me muito modestamente a desbravá-lo. Claro, desisti no átimo seguinte: você é uma montanha.
Bebendo com você e conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo de repente tive ganas de morrer por sua mão, de ver meu coraçãozinho estraçalhado pelas suas unhas afiadas de mulher que se assume como tal _ outra raridade. Acho que disse-lhe isso e você sorriu e com este sorriso consegui meu intento e perdi um átrio, talvez a válvula da aorta, mas não o coração inteiro. Estou doando meu
coração, se você quiser acabar de destroçá-lo.
Andando para casa naquele dia, deixei-me invadir por uma crença há muito esquecida. Fechei simplesmente os olhos, lembrei de você e surpreendi-me com uns versos toscos de um poeta cujo nome não recordo, mas que carregam em si uma mensagem de duro desespero, que poucos conseguem sentir. Diz o poeta que quem ama um dia, uma hora, um segundo somente, ama por toda a eternidade.
Coisa rara: naquela noite, como neste texto, perdi o medo da pieguice.
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