Pequeno jardim que minha mão conhece, ah, quisera falar sobre ti ao som da música de Johann Strauss, quem sabe Roses from the South, pompa e simplicidade, duas centenas de bailarinas girando num enorme palco, esta valsa, esta orquestra.
Pequeno jardim que minha mão conhece, ah, quisera falar sobre ti ao som da água desta fonte tão pequena também, trazida pela mão de quem me ama, com seu barulho-murmúrio, fontezinha tão maravilhosa, a me ninar o sono, a me cuidar o coração.
Pequeno jardim que minha mão conhece, ah, quisera falar de ti e de seus besouros pequenos, baratinhas da terra, torrões que se misturam a pedrinhas que são seixos rolados tirados no fundo de um riacho.
Pequeno jardim que minha mão conhece, tua árvore e tuas flores, tua terra cheirosa e merecedora de hortênsias e beijos-flores, onde dracenas arrepiadas cortejam bambuzinhos chineses…
Pequeno jardim cercado de coqueiros que são como leques, guardados os espinhos para baixo da folhas…
Pequeno jardim onde nascem orquídeas coladas ao tronco da árvore única, expandindo roxos delicados, cachos lá no alto, em lugar que ninguém-os-toque, só para se ver…
Pequeno jardim que meus olhos conhecem, procurando folhas de bordas serrilhadas, pistilos e gineceus, estames, brotos, tudo procura os meus olhos, desde espadas-de-são-jorge até algumas conchas que revirei entre a terra preta e que, muitas vezes, se abrem, desavergonhadas como glicínias . Há também os casulos que te habitam, mas desses, ainda não falarei senão na Primavera…
Pequeno jardim, única coisa que me pertence verdadeiramente neste mundo, um dia sou tomada de coragem e planto em ti hortelãs-pimenta, poejos e losnas, coisas tão antigas quanto os meus antepassados. Acrescento-te a cidreira, a artemísia e o alecrim: neste dia serei feliz como um pássaro de madrugada e seu canto chamando o dia, pintassilgo, rouxinol ou quero-quero, que me importa?
Pequeno jardim, diminuto Éden, criado na saudade de um outro paraíso de onde, supostamente, todos somos originários, humanidade torpe que somos , mas que um dia teve direito a um jardim encantado…
Todos carregamos o Jardim dentro de nós: Éden, Paraíso perdido, Kailasa, jardins suspensos, jardineira, vaso, flor de plástico… todos nós temos representado ao nosso redor o lugar de onde viemos e onde , um dia, fomos tão felizes.
Talvez sem medo ou malícia.
Talvez.
Pequeno jardim que minha mão conhece, de olhos fechados eu reconheceria o teu cheiro de terra úmida e resina e na ponta dos dedos saberia cada trecho teu, pedaço, recanto…
Pequeno jardim, terra prometida onde brota leite e mel, fosse me dado plantar ainda em ti, plantaria gerânios, damas-da-noite, mais jasmineiros. Plantaria em ti saudades da infância, cheiro de chuva sobre a terra quente, gosto de flor, begônia que se chama, mordiscada… folhas de um verde-esmeralda antigo, tão antigo, folhas grossas da mais pura esmeralda.
Plantaria em ti, meu jardim, minha própria semente. A fim de renascer, ainda que fosse, como pobre flor. Poejo, alecrim, arruda que fosse. Ser da terra, com raízes fundas. Para quê? Para nunca sentir saudades do Éden, o proibido jardim.