Em plena Quaresma, uma crônica sobre a cerveja!
Perplexos, os meus amigos da paróquia dirão que o tema devia ser outro. Por exemplo: um comentário sobre uma Epístola de São Paulo; ou uma reflexão em torno do Evangelho de São João, a testemunha ocular da crucificação do Rabino.
Escrever sobre temas bíblicos é tarefa de teólogos; ou de leigos que fizeram o Cursilho. Não sou teólogo, e nunca freqüentei círculos, ou reuniões de cursilhistas. Sou, apenas, como pecador reincidente, um católico de comportamento suportável. Por isso, neste instante, não devo comentar textos da Sagrada Escritura. Não quero que, amanhã, me chamem de herege, ou de leviano.
Muito bem. No carnaval que passou, não saí de casa. Em nenhum momento aderi à fuzarca. Sou um folião, não direi aposentado, mas fiel às Colombinas, e ainda muito ligado nos bons tempos das serpentinas, e das alegres batalhas de confete. Se duvidarem, ainda me sacudo se a orquestra atacar de “Jardineira”, de “Lambretinha”, ou de “Ó abre alas”, da nossa irrequieta Chiquinha Gonzaga. Como na era da “axé music” isso nunca vai acontecer, fico quieto no meu canto, recordando, com saudades, velhos carnavais…
Mas quem não adere ao frevo não está proibido de, durante o reinado de Momo, beber uma cervejinha. E foi o que eu fiz. Não bebi apenas uma; bebi várias! Quero dizer, que hoje faço parte do “bloco do freezer”. Este bloco tem sob sua generosa proteção os foliões que, como eu, se afastaram voluntariamente da gandaia.
Enquanto a moçada sacudia “o chão da praça”, e eu me entregava à encantadora “loirinha”, resolvi ler alguma coisa sobre a cerveja, que, como todos sabem, é a minha bebida predileta. Aliás, minha e de D. João VI.
Quem gosta de bebericar e também de ler, não pode deixar de ter na sua estante, do acadêmico Antônio Houaiss, um livrinho que tem este título: “A cerveja e seus mistérios”. Abro um parêntese, para confessar o seguinte: Não conheci o Houaiss pessoalmente. Mas pelos seus retratos publicados em revistas e jornais, o saudoso escritor não passava a imagem de um cidadão dado ” à prática bebitória da cerveja”.
Soube, através de Antônio Houaiss, muita coisa interessante sobre a nossa “cerrejinha”. O livro começa contando a história da cerveja. Em seguida, diz como ela é feita; como é usada na cozinha; a cerveja pelo mundo; e fatos curiosos envolvendo a deliciosa bebida. Só muito espaço para comentar tudo o que o nosso Houaiss , falecido em março de 1999, disse sobre a cerveja.
O livro lhe dirá por que a cerveja é a mais antiga das bebidas alcoólicas; que os babilônios já a degustavam; que em Roma, Plínio, o Velho, e o jurista Ulpiano, nos seus escritos, já se referiam a uma tal de “cervisia ou cerevisia”. E o mais surpreendente: que foi Dom João VI quem trouxe a cerveja para o Brasil! “Quando veio para cá, não se esqueceu de trazer alguns tonéis de sua bebida preferida”, lembra Antônio Houaiss.
Para o saudoso acadêmico, no Brasil, como acontece no futebol, “todo mundo é técnico em cerveja: sabe como beber, como servir, temperatura, cor do casco, clara ou escura, com ou sem colarinho”. Ressalta o perfil alegre da cerveja, recordando que ela é geralmente bebida “em ambientes extremamente conviviais, risonhos, extrovertidos, ridentes, cantantes, dançantes até”.
Para, finalmente, revelar uma verdade, que o Nelson Rodrigues chamaria de “eterna”: que a cerveja “se bebe pelo prazer de viver, sobretudo de conviver”.
Amanhecia, quando terminei de rabiscar esta croniqueta, que oscila entre o profano e o religioso. Vi, de minha janela, dezenas de fiéis procurando a igreja do meu bairro. Todos querendo receber na testa a cinza santa da Quarta-feira da Quaresma…