Certa vez, na faculdade, defendi num seminário a tese de que todo mundo devia pagar imposto direto – pobres, ricos, remediados, ninguém escaparia do “meu” imposto. Quase fui linchado. A corrente dominante era de que qualquer sistema tributário, em princípio, deve poupar os desvalidos. É uma espécie de piedade fiscal. Mas tirei nove no meu trabalho. O tributarista famoso, que coordenava o evento, deve ter reconhecido pelo menos alguma virtude na minha teoria – que, aliás, nem era nova, apesar de eu desconhecê-la anteriormente. Meu tema central era a conscientização do indivíduo pela via do desembolso, como ocorre, mal comparando, nas multas. E dava exemplos ingênuos, tais como: um sujeito que vandaliza um orelhão não leva em conta que o dano será cobrado, de uma forma ou de outra, de todos e, por conseguinte, dele mesmo! Ele faria isso se aquilo viesse diretamente na sua conta no final do mês? Óbvio que não! Onde todo mundo paga, todo mundo fiscaliza e exige. Caso contrário a responsabilidade se dilui, nada é com a gente, e o senso de comunidade desaparece.
Não há como escapar dos tributos, até a esmola é tributada, cada centavo já traz consigo o imposto. Ao gastá-lo numa pinga o pedinte indiretamente contribui, e, em termos relativos, isso não é pouco. As empresas, o governo federal, estadual, municipal, as estatais, as privadas, os botecos, o escambau, todos calculam seus custos considerando a totalidade das possíveis e imagináveis perdas, desgastes, lucro, etc. Nenhum dado é desprezado na hora de formar o preço, seja ele de um produto, de um serviço ou de um tributo. Nada se omite, sob pena de todos quebrarem em curto espaço de tempo.
A demagogia do imposto de renda, supostamente deixando de fora os menos favorecidos, é uma ilusão e uma questão simples de custo/benefício acobertada pela designação de imposto “social”, com suas isenções, faixas de incidência e tabelas insidiosas. Este engano é coisa que passa despercebida à maioria da população. Não se cobra imposto de renda de pobre unicamente porque não compensa. O valor arrecadado, pelo menos da forma como o é hoje, seria menor do que o custo da arrecadação. É só isso! Não entra aí nenhum componente que se possa de longe chamar de solidariedade humana. Não é um favor, é um negócio cujo ingrediente preponderante é a simplicidade aritmética. O pobre, evidentemente, acaba pagando até mais impostos embutidos nos preços de tudo o que consome. Sua única vantagem é não fazer declaração de rendas! E assim é tapeado, e jamais adquirirá consciência tributária.
Fosse o aspecto social do tributo o determinante para essa atitude magnânima dos órgãos arrecadadores, por que não se isenta o pobre dos outros impostos, tais como IOF, CPMF, entre outros? Pobre, que nunca teve um carro na vida, paga pedágio, IPVA, DPVAT, imposto sobre combustíveis, todos inseridos no preço da passagem! Mas nem tem a menor idéia disso! E ninguém faz questão de esclarecê-lo. A conscientização, seguramente, além do efeito cívico, teria um outro mais fundo: o da escolha das pessoas que “representam” o povo, especialmente o povão. O voto teria de ser obtido de outra forma: mediante trabalho efetivo, propostas inteligentes e decentes. Nada de camisetas, de bonés e de chinelos de dedo doados pelos candidatos durante a campanha. Mas isso é um risco que não convém a muitos políticos, porque a cobrança seria inevitável, e político só se relaciona com o seu eleitor antes da eleição. Depois, o tênue vínculo se extingue, e o eleitor não mais existe, ao menos até a próxima eleição.
Mas, este ainda não parece ser o maior problema. Arrecadar, isso “eles” sabem muito bem. Tanto que vivem a acenar com novos tributos. Basta uma ameaça de crise num setor, e lá vem um novo imposto. É a solução burra e cômoda de quem tem preguiça de usar o cérebro, quando não pura má-fé. A CPMF, que era para ser provisória e melhorar a Saúde, já se vai eternizando. A Saúde não melhorou nada, mas a CPMF engorda, vai bem, obrigado! Os pedágios proliferam feito tiririca, nascem de uma hora para outra, e vicejam eficientes, chegando a onerar o viajante mais do que o próprio combustível despendido na viagem. E não se diga que o combustível é barato! Não se vê a mesma tecnologia sendo empregada para reduzir filas no INAMPS, INSS ou sei lá que sigla seja. Há mais tecnologia no controle do estacionamento do shopping do que na Saúde Pública, sem falar na Segurança, Educação…
Agora mesmo fala-se em mais um imposto, este sobre recursos hídricos, que nada mais é do que cobrar imposto sobre os rios, nascentes, córregos, valetas. Qualquer fio d’água será sujeito ao tal imposto. É o fim da picada! Falta ainda, mas não se descarta a hipótese, cobrar imposto sobre o ar, a paisagem, sobre o azul do céu, sobre lua cheia… – tal como um dia cogitou o Drummond numa carta ao Imposto de Renda. Mas logo arranjam um jeito para isso, não duvidem!
O problema, contudo, não é só a mentalidade voltada unicamente para a arrecadação. É o emprego da receita. O dinheiro sofre um desgaste impressionante ao transitar pela burra governamental. Esfarela-se, isso quando não some. Há empréstimos compulsórios às pencas que jamais foram pagos. Dinheiro tomado da população na marra, sob os mais diversos pretextos e das mais variadas formas, e agora simplesmente ignorados como se jamais existidos; como se o governo atual não tivesse absolutamente nada com isso. Sem mencionar os confiscos, os estratagemas funestos aplicados aos índices, que todos condenaram, inclusive os que hoje estão no governo. Golpe dos mais baixos, verdadeiros furtos. E não vejo ninguém na cadeia. Há até a cara-de-pau do fulano que ainda quer ser candidato! Era outro governo, aquele, que não prestava. Este, segundo opinião dele mesmo, presta, mas também não paga! Quem assume um governo recebe ativo e passivo, ou não? Além do mais, este mesmo governo já usou de igual expediente instituindo a CPMF. Mudaram os cabelos, mas a voz… Pra não dizer outra coisa, aquela das moscas…
O governo, em todos os níveis, é o maior estelionatário da praça. Não passaria de jeito nenhum incólume no SPC. Tanto que os que vendem a ele já embutem nos preços uma grande margem de risco, além das “taxas” normais. De prova estão aí as CPIs e outras comissões investigando superfaturamento, propinas, negociatas com bancos, investigando, investigando… e… nada! Quando somem da mídia, o caso vai para as calendas…
E há a ainda a sonegação, um câncer, uma coisa crônica. Todo mundo se julga no direito de aplicar chapéu no governo, afinal o dinheiro vai ser mesmo malgasto, moído em projetos de interesse puramente eleitoral, pulverizado pela máquina, vai para privilegiar salários de deputados, senadores, assessores, os que vivem dizendo aos quatro ventos que ganham mal! É um círculo vicioso. Então a sonegação é quase institucionalizada, como se um direito inalienável, o dever do cidadão é como o de um prisioneiro à fuga: o governo que se cuide para não haver evasão. Trata-se apenas de ser esperto o bastante para não ser pego na malha ou na fiscalização. Se passar, passou, tá limpo. Nenhum constrangimento moral vai incomodar ninguém.
Vez em quando, vê-se na tevê uma blitz furiosa na Ponte da Amizade; pura fita! Trucidam uns tantos sacoleiros, tomam-lhes as mercadorias, autuam-nos, processam-nos, fazem um escândalo como se tivessem pôsto a mão na Máfia Siciliana e solucionado de vez a questão do contrabando. Dão a impressão de que agora a coisa é séria. Os pobres sacoleiros são apenas gente buscando uma tábua de salvação, se virando no oceano do desemprego com meia dúzia de pacotes de cigarros, uns litros de uísque de quinta, eletro-eletrônicos de Taiwan, Coréia, relógios descartáveis, tudo lixo. Errado o meio, claro! Mas, quanto deixam de recolher? Ninharia diante da sonegação geral. Só servem de exemplo. Antes deles, muitos graúdos deveriam ter seus negócios visitados pelo fisco implacável e sequioso de tributos. Mas estes não são assunto policial, vão para o âmbito das CPIs, que nada resolvem.
Enquanto isso, só para citar um caso dos mais simples e evidentes, dê uma caminhada nos shoppings, nos quais pobre nem entra, onde somente cidadãos de classe média pra cima têm o “direito” de comparecer. Qualquer loja – de eletro-eletrônicos, presentes, relógios, canetas, equipamentos fotográficos, computadores e periféricos etc. – tem, no mínimo, metade do seu estoque contrabandeado. E, a muito custo, emitem nota fiscal. Numa papelaria encontrei à venda uns blocos de um impresso chamado de “Nota Neutra”, sem número, série, sem nada. Indaguei para que servia aquilo. Ora, é nota fiscal, vende-se muito isso. É comum, nós mesmos usamos. Veja. – foi a resposta. Me senti um idiota. É sintomático!
Dia desses fui a dois shoppings em busca de uma calculadora científica meio enjoada, marca conhecida. Achei-a em várias lojas, preços variados, mas nenhuma com manual em Português, ou seja: contrabando! Exposta nas vitrinas sem a menor preocupação. Em várias delas os vendedores se propunham a me vender o manual em português separadamente!
Resumindo a ópera: uma fiscalização decente, indo muito além dos coitados dos sacoleiros, certamente aumentaria em muito a arrecadação. Daí à desnecessidade da criação de novos impostos, ou mesmo à possibilidade de reduzir os já existentes, é um pulo. E onde todos pagam, pela lógica – nem sempre obedecida nestes casos – todos pagam menos. Mas a quem isso interessa? Os shoppings de Brasília não são diferentes dos daqui. É só conferir.
O pior que me ocorre é que a sonegação é a base para a peste da corrupção. Mas nem entro por aí, que corrupção NÃO EXISTE sob nenhuma forma no nosso país!
É apenas produto do imaginário popular…