Um Barquinho de Papel

Você já fez um barquinho de papel ? Não é tão difícil. Arranja-se uma folha de papel dobrável, pode ser usada ou não; pode ser do tamanho de uma folha de papel sulfite, ou ser até uma folha de jornal. O importante é que seja uma folha de formato regular e retangular. Dá-se umas dobras na folha, coisa simples, ajunta-se as arestas da folha, dobra-se ao meio, ajusta-se o vinco das dobras, uma vez para dentro outra vez para fora. Com capricho, que é algo imprescindível nesta tarefa, e aí, seguindo um método simples que é mais fácil de aprender vendo outro fazer do que lendo um manual ou uma crônica, teremos o barquinho de papel.
Mas imprescindível, imprescindível mesmo para que se faça um barquinho de papel, é que esteja chovendo. Bem, é imprescindível que você esqueça que a chuva possa estar deixando metade da cidade debaixo d’água, esqueça de que possa estar despencando barracos em algum barranco, esqueça até que possa estar surgindo, dentro da tua casa, uma cascata de goteiras. Faça o barquinho de papel despreocupadamente.
Você não consegue se despreocupar? Acontece que deixaram de te telefonar na hora combinada, hoje o chefe estava mal humorado como sempre, aquele dinheiro que você queria guardar você já gastou, tem mais crimes acontecendo em volta da tua casa do que gente brincando, correndo e passeando pela rua? Aliás, ultimamente você tem se sentindo um personagem de um filme de terror que leva susto a cada minuto e quando pensa que tudo está ficando calmo, pronto, aparece outra monstruosidade e te apavora mais ainda. Nada disso é problema, se você quiser fazer um barquinho de papel. Nada disso te impede.
Só uma coisa é necessária, aliás duas.
Coisas simples, nem dependem de você : papel e chuva. Papel tem tanto, se você não tiver em casa, tem até jogado na rua. Basta pedir um pedaço na padaria, o padeiro vai ter de estar muito mal humorado para te negar. Claro evite ir um dia após uma derrota do Vasco, da Portuguesa ou do time que ele torce.
Chuva, bem, imagine como pode ser gostoso a partir de hoje ficar esperando a chuva. Alguém vai até olhar prá você e perguntar : – Preocupado?
E você tranquilo, vai falar:
– Não. Estou esperando a chuva!
Você vai viver um tipo de ansiosidade positiva, que criança costuma ter, ficar torcendo que caia uma chuva bem grossa e caudulenta para que você possa soltar o barquinho na água.
Hi! Vai entupir o esgoto!! A consciência ambiental vai te pegar né? Tudo bem, só uma vez. Já tem tanta coisa entupindo o esgoto, um papel a mais… Bem, façamos um trato, façamos um barquinho com um papel encontrado na rua, jogado no chão. Pelo menos, nos isentamos um pouquinho da culpa. Cinicamente, mas tudo bem. O importante é que possamos fazer este barquinho de papel. Mesmo que o bem e o mal do mundo estejam conspirando contra. Ë importante que saudemos a chuva quando ela chegar. Saiamos correndo para a mesa peguemos o papel e façamos o barquinho. Simples e perfeito.
Cheguemos até a borda da calçada e o coloquemos vagarosamente sobre o córrego que se forma junto ao desnível da calçada. Daí em diante siga o barquinho, ajude-o se possível a se desvencilhar de algum pneu de carro estacionado, moto ou bicicleta. Não o deixe naufragar. Imagine até que você possa estar dentro dele. Que loucura! Imensas ondas, temporal, o abismo se aproxima. Temos que saltar!! Será que conseguiremos?! Ah! Uma corda! Ali, naquela margem! Joga!! O abismo está chegando!!
Divertido não? Depois, o barquinho some dentro da boca de lobo e você volta prá casa ensopado e lívido.
Entende? Lívido, não porque pagou as contas em dia, nem porque alguém te disse que é o maior, etc. e tal. Só por ter corrido atrás do barco de papel no meio da chuva e ficar todinho ensopado.
Só isto, precisa mais?