Todos os dias passo pelo mesmo caminho e encontro a mesma menina de nove anos indo para a escola. Nada de extraordinário, você dirá, pessoas que fazem o mesmo trajeto existem às dezenas por aí.
Sim, eu sei. Mas a menina tem um encanto diferente. Ela sou eu e eu sou ela. Já nos reconhecemos e sorrimos uma para a outra sempre que nos vemos, cúmplices. Ela anda devagar, a mochila azul e preta balançando nas costas, a camiseta tinindo de branca com o logotipo da escola.
Não é bonita, é uma menina comum e até um pouco sem graça, de cabelos e olhos castanhos, meio gordinha também. Mas é uma menina que está crescendo e vai virar mulher, uma menina que pula amarelinha nos desenhos das calçadas, tal como também fiz há muito tempo já.
Vai sozinha, olha para os dois lados antes de atravessar a rua, às vezes passa a régua na grade da casa azul e faz barulho só para provocar o cachorro. Ele aparece e ela dá um pequeno grito, não mais de susto, talvez de satisfação, e corre. O cão fica furioso, se pudesse pularia no pescoço dela.
É uma menina, nada de mais. Uma menina que deve estar na terceira série, ter irmãos menores, pais que não se dão lá muito bem. Uma menina que deve passar as férias na praia ou na casa da avó e sempre voltar cheia de histórias para contar.
É apenas uma menina e sua parada disfarçada para furtar do jardim da prefeitura uma flor para a professora. Apenas uma menina e sua garrafa de suco de laranja a tiracolo para a hora do recreio.
Saudade do tempo em que, na vida, havia recreio. Do tempo em que tinha tempo de ouvir o canto dos pássaros no alto das árvores. Do tempo em que enxergava o cão dormindo na varanda da casa de madeira lilás. Do tempo em que gatos pulavam o muro e subiam no telhado. Da minha coleção de joaninhas, meu Deus!
Saudade de viver feito aquela menina que anda devagar e segue para a escola: um mundo todo para aprender, uma história toda pela frente. O tempo é mesmo ingrato e brinca de roda com a vida… tudo muda, já ouvi, tudo muda, amém!
E já não sou mais a menina, dobro a esquina enquanto ela segue em frente. Cresci e tenho que aprender a ser gente (rimou!). E eu era gente e não sabia. Também ela um dia vai pensar a mesma coisa e lembrará do cachorro bravo da casa azul.
E, assim como eu, verá aquelas duas velhinhas bem velhinhas andando devagar por recomendação médica, esbarrará com o ex-namorado no meio da rua e sentirá uma pontada no coração, engolirá sapos e lagartixas e se arrependerá de muita coisa.
Um dia também ela encontrará outra menina e sentirá saudade…