Madrugada Chovendo

Essa chuva me leva de volta àquela época. O tempo que eu me esquecia no chuveiro relembrando seus beijos. Seus toques. Essa música, essa chuva caindo, me trazem de volta ao inverno. Tempo em que eu fumava em frente ao teatro e ia pra aula com cheiro de mar. E com gosto de chuva pelo corpo, gosto de menta nos lábios, eu gostava de sentir minha roupa colada ao corpo, encharcada… e durante a aula eu me sentia tão gelada e mergulhada na intensidade… na confusão… minha primeira paixão… a paixão à primeira vista… e eu chegava da aula e me jogava na água quente, eu me sentia em chamas… seu toque, seus beijos… incensos de mel… e eu falava com você, aquele frio lá fora, a chuva, o chuveiro, tão quente aqui dentro… aqui, exatamente aqui, de novo estou falando no telefone enquanto tomo banho… e de novo é inverno… Pra mim é, ao menos… a respiração é essencial… eu te respiro, paixão… e foi preciso que alguém me chamasse a atenção… Alguém. Eu em plena crise. A respiração, todos os dias… e é preciso que uma aula de teatro te desperte… respire pra não se perder, pegue fôlego, inspire e vá em frente… Paixão à primeira vista. Segure a respiração pra não chorar, prenda amar, não se prenda ao ar… minha primeira paixão por alguém… expire, coloque tudo pra fora, aprenda a se libertar… eu sempre vivi apaixonada…
Mas respirava mal
Por não saber
O valor passional
Ao te ver
Ao te ver eu senti amor. E com paixão, pela primeira vez, foi preciso que o teatro me ensinasse a tirar o máximo da respiração e relaxar… aliviada… eu sempre respirei e a vida é engraçada… foi preciso que alguém… e justo quando eu estudava uma peça que fala em paixão à primeira vista… alguém que conheci no inverno, e como chovia… o quanto eu sentia… minha primeira paixão, eu estava desnorteada. Em crise, fui covarde, larguei o teatro. Não pude levar adiante, eu estava em crise, as aulas… eu te via em cada ensaio, te sentia em cada cena, em cada palavra sentia o seu toque, em cada beijo… cada beijo nosso me deixava nas nuvens… e chovia tanto, sempre senti tesão com chuva, e como chovia naquele inverno… como chove agora… incensos de mel, seu beijo, seu toque, mas eu fui covarde… com paixão, eu larguei as aulas, à primeira vista, eu não pude levar adiante… e nunca mais eu conversei pelo telefone sentindo a água quente me tirando a espuma do corpo, sabonete de mel pelo corpo, escorrendo… e nunca mais eu ouvi Portishead sem sentir a respiração me estonteando, e nunca mais eu respirei esse incenso sem inspirar o aroma profundamente até não poder mais… segurar, mel, a fumaça, o cheiro da chuva… vou expirar, falar agora… não foi a última e sempre vai ser minha primeira, você, paixão eternizada, que larguei, teatro, estou confusa… sentindo que ainda sinto… A chuva me aquece e o verão me confunde, o teatro me fornece e a respiração se funde, a madrugada me excita e minha primeira paixão está sendo escrita… você está me sentindo?
Madrugada chovendo
Água fria
Que inspira
Chove, me aquecendo
Chove, poesia
Chove e expira
Se liberte, me trazendo
De volta ao prazer
De te escrever