Finda-se o ano, outra vez. E já se foram tantos que acabamos por findar o século e até o milênio. Aí sou acometida por aquele sentimento de final de festa, final de viagem, final de namoro, final de casamento… os finais são sempre tristes. E para quem acreditou a vida inteira em final feliz, dá uma sensação de ter sido enganada… Mas, cobrar de quem? Quem me fez acreditar nisso? Será que foram os livros? Ou seria o cinema? Talvez os dois, talvez nenhum. Isso é um dos conflitos da discordância entre pensamento e realidade que nem devo questionar o porquê, pois a gente precisa dessas ilusões pra continuar vivendo. E para dizer a verdade, vou continuar acreditando no homem, vou continuar acreditando na minha pátria, nessa américa latina mal vista, malquista, explorada feito menina de rua, vou continuar amando e sofrendo de um jeito desleixado, de um jeito acomodado, um jeito brasileiro de ser. Pois de qualquer forma, somos filhos dessa nação. Somos filhos dessas mulatas, brancas, negras, índias, estrangeiras, balconistas, lavadeiras… somos filhos dessa história mal contada, mal vivida… filhos de uma mistura de sonhos e crenças, filhos de uma noite de insônia, filhos da indiferença, filhos do amor, filhos da rejeição, dos mangues, cerrados, sertão, dos direitos violados… enfim, filhos que se diferem e se assemelham, que se distanciam da farinha ao caviar e se esbarram nessa geografia de extremos e contrastes.
Mas nem era isso que eu ia dizer. Creio não ser hora para ideologia. As palavras vieram do porão que há dentro de mim onde armazeno esse espírito de civilidade. Uma pólvora silenciosa que às vezes explode sem eu me dar conta. Porém é final de século e aqui em casa é noite. Uma noite alheia a tempo e espaço. Uma noite de estrelas. Abro a janela à toa, por gosto e deixo os braços da noite me envolver. Fecho os olhos de propósito e lembro-me do Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”. Engraçado, de súbito deu-me uma vontade de saber se há algum bar aberto, se há algum amigo querendo jogar conversa fora e intuir coisas fugidias, essa ciência de botequins com cheiro de vento e depois sorrir com a certeza de que sabemos das coisas, que entendemos da vida e que a vida é essa coisa pouca e engraçada. Que a vida é esse olhar para o céu a procura do cruzeiro do sul e encontrá-lo no mesmo lugar de quando se era criança. Aí fica tudo tão fácil, tão perto de se pegar! E as estrelas? põe-se no prato para serem digeridas entre um gole e outro de café. E o mundo caberia nos nossos braços. Cada pedaço de nós seria imenso e abrigaria todos os abraços, todo calor.. e eu me sentiria protegida sem essa compreensão da solidão, da angústia, da dor… dessa coisa paralela que atravessa o peito da gente a essa hora da noite.
Mas já tirei o rímel, o batom, o sapato e ouço o mundo gargalhar através da televisão. Eh, moço, não me faça rir, esse homem, criatura de Deus, tem amor mas não sabe amar. Ah, esse tempo de TV programado para acontecer. Alô canais desligados! Ausentes de imagens, de palavras e até de silêncios. Sei, estou absolutamente convicta da importância do tempo para a geografia, história, estatística e, em geral para as ciências exatas, conexas… e às vezes nem tanto assim. A única coisa de que tenho certeza é de que nada é para sempre. E em qualquer tempo as pessoas dormem. Menos Deus. Deus deve estar cuidando para que eu não envelheça no tempo. Ele me quer criança. Como se manter criança? Não sei ao certo a receita, mas eu precisaria de um cavalo, uma árvore, um assobio, um riacho pra navegar em barcos de papéis, um cachorro, um mocinho, um bandido, medo de escuro, sorvete escorrendo na roupa, chocolate sujando o vestido e um relógio com ponteiros quebrados.
_ Que possamos iniciar o novo século com a simplicidade das crianças. Feliz ano novo!!!