Eu era a quadragésima segunda dos quarenta e seis netos. Naquela época, minha avó tinha cabelos bem compridos, tão finos e branquinhos. Ainda posso vê-la se olhando no espelho. Primeiro passava o indispensável pó-de-arroz, depois o perfume meio adocicado que eu nem gostava muito.
Eu sentava atrás dela, na beirada da cama, e via o pente de madeira deslizar pelos cabelos até chegar às pontas, quando os fios se abriam num sorriso. Desembaraçados, vovó punha as mãos para trás e ia torcendo, torcendo e, de repente, surgia um coque grande e branco. Nessa hora eu ajudava segurando os grampos, que ela ia anexando, um a um, até sentir bem preso o penteado.
Ah! Que saudade da vovó e seus eternos tamancos “anabela”, vestidos sóbrios e mãos pintadinhas de velhice!
Um dia, era domingo e lembro bem, ela estava no quarto se preparando para sair. Abri a porta devagar e a vi nua, prendendo o espartilho. Ela não me viu e me afastei para que não pudesse mesmo ter idéia de que eu estava ali. Minha avó era feia, descobri, e tinha a pele enrugada.
Até hoje sinto embargar a garganta. Todo o mundo dizia que eu era muito chorona e vivia no colo, mas ninguém tinha visto vovó assim tão velha e eu sabia que ela ia morrer logo.
Não foi tão logo, viveu dez anos depois da cena. Mentira, viveu mais cinco, que depois a paralisia só a fez sobreviver. Nos últimos tempos, então, esteve condenada a uma cama e seu alimento era soro.
Sinto saudade… mas queria minha avó de antes, fazendo pães e nhoque de batata, manteiga de litro e manjares para sobremesa. Queria aquela vovó que dava dinheiro para comprar doce, que me pegava no colo e contava histórias, que queria trocar os cabelos lisos por meus cachos… e eu respondia que daria só se ela me desse os olhos, azuis fundos, lindos.
Hoje a vejo nas fotografias e no pensamento. Às vezes vou ao cemitério, paro em frente ao túmulo e me ponho a rir: “O que estou fazendo aqui? Vovó foi devorada pelas oito turmas já, vovó hoje são ossos.”
… acendo uma vela e me consolo: um dia também serei.