São João…Música e Balões

Enquanto ouvia o velho Nelson Gonçalves – que para mim ainda não morreu -, procurava, aflito e impaciente, um assunto para uma crônica. Me lembro que quando eu fumava, isso não acontecia: depois da primeira tragada, os assuntos, como diz o cronista Ruy Guerra, “jorravam em borbotões”.
Convenci-me a tempo de que não estava exclusivamente na fumaça do cigarro a minha fonte de inspiração. E, num dia qualquer do mês de outubro, nem sei mais de que ano, fumei o último cigarrinho. Deixava de pertencer “a uma espécie em extinção: a dos fumantes”. Uma decisão heróica que acabava de tomar um cidadão que fumava há mais de trinta anos.
Alguém, e eu nem desconfiava, acompanhava, discretamente, minha aflição. E, não mais suportando acompanhar a minha angústia, avisou-me que o tempo era de Luiz Gonzaga, e não de Nelson Gonçalves. A dileta amiga tinha razão: a noite de São João se aproximava.
Primeiro pensei em escrever sobre um garoto gaiato que, à boquinha da noite, teve a ousadia de atirar um busca-pé no jardim do meu prédio, aplicando-me, como gostava de dizer o Mário de Andrade, “um bruto de um susto”.
Mas achei que escrevendo sobre o atrevido fogueteiro, ao invés de me divertir, estaria me irritando. E não era uma boa, em tempos de forró. Por que, então, não escrever sobre balões, e sobre a música junina?
Os balões? Ah, os balões… Soltá-los, é proibido. Lembrá-los, não. As noites de São João, sem os balões, como ficaram feias! E menos alegres. De repente me vi assobiando, baixinho, a marcha do Braguinha, gravada em 1933, por Dalva de Oliveira: “Os balões devem ser com certeza/ as estrelas daqui deste mundo”.
No mesmo ano, Lamartine Babo entregava aos brasileiros a marchinha “Chegou a hora da fogueira”. E o povão, feliz, cantou: “É noite de São João!/ O céu fica todo iluminado/ Fica o céu todo estrelado./ Pintadinho de balão.” Em 1935, Carmem Miranda, em outra empolgante marcha, lembrava que o balão “é um sonho de papel / a girar na imensidão.” E continuei recordando…
Aqui, aproveito para repetir o que, num momento de rara inspiração, disse o saudoso Antônio Maria: ” Ah, eu gostaria tanto que os meus olhos ainda se encantassem, acompanhando o vôo dos balões até à altura em que eles se transformam em estrelas!”
E a música joanina? Como está?
Passando pela Baixa dos Sapateiros, entrei numa loja de discos. O fiz mesmo sabendo que, de lá, podia sair com os tímpanos estourados. Mas fui adiante. Ouvi a primeira música, a segunda, a terceira, e desisti: todas agrediam, sem dó, as minhas delicadas “oiças”. Retado, como dizem os baianos, constatei que a música junina, hoje, está sendo impiedosamente violentada. Quanta baboseira! Subi a Ladeira da Praça resmungando, xingando, rogando pragas… Pedindo a Oxum que castigasse os maus compositores.

Ainda há tempo de salvar a música do São João, inocente e doce. Que se faça isso agora: até em respeito à memória de Luiz Gonzaga, que a vida toda homenageou o “santo do carneirinho” cantando preciosos baiões, ainda hoje no gogó do povão… da capitá e do sertão.
Consola-me a certeza de que a música joanina imoral some, nem bem se apaga a última fogueira, ou, no céu alegre de junho, explode o derradeiro rojão.
Viva São João! Vi…va…!