Se o mundo é mesmo uma grande oficina onde aprendemos todos os dias, então não há nada mais maravilhoso que descobrir a criatura humana em seu ofício de viver.
É assim: surpreende-me sempre a vida em seu ofício, belo porque humano, vida. Por que estou escrevendo isso? Talvez porque esta manhã esteja bela e eu, como humano, dela participe, ainda que meio desajeitadamente, friozinho começando, a gente fica mais doce e meiga com este frio, começos de inverno, amém.
Enrosco-me na saudade e nas lembranças, sinto falta de ouvir Haendel e sua música aquática, suavidade de violoncelos e violinos. A vida em Haendel sào violinos a tocar, doçura de viver, este vento no rosto, esta coisa de saber que, no fundo, meu irmão, fazemos parte da mesma tribo. E repito, mil vezes repito: é bom viver. Sem querer, ou por querer, o mundo nota que amamos a vida. As pessoas sabem que amamos viver.
Muitas vezes, meio estonteadas de seus escuros ermos, olham pra gente e dizem: você tem mesmo uma grande fome de viver.
Fico pensando coisas, fatos, gestos, alegrias. Não penso só em saudade, não. No entanto, tomo meu chá. Sem cerimônias, sem enlevos. Tomo meu chá em fumegante e solitária xícara e penso num impossível e distante navio que, ancorado em algum cais, espera-me com seu antigo leme onde se entalharam os pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste. Para onde vou nesta manhã de maio? Vou para onde os ventos me levam, vou para onde minha asa de pássaro indica ser o melhor vôo, vou para sempre e nunca. Mas sem dizer adeus, esta palavra dura. Vontade de viver, vontade de ir embora, vontade de ficar. No entanto, bebo deste meu chá. Adio para daqui a pouco o que deveria fazer agora. E enquanto isso, observo a magnífica oficina do viver. Adio, adio, adio. Mas é o inadiável que me alcança com seu gosto de nada, com seu cheiro de ferrugem e sal.
Olho esta manhã e sua luz nublada.
Levanto a xícara do pires, acaricio as bordas, o cheiro doce. Um chá que é entre jasmim e rosa. Um chá que inventei, um inexistente e impossível chá.
Soluço.
Bebo nesta manhã, olhando a vida. Tomo meu chá com soluço, goles grandes. Como se para afogar a mágoa, como se para não morrer. Mas sei, desde já sei, que a magnífica vida, em sua oficina de viver, rejeita o falso, o inventado. Tento resistir.
Enquanto isso, bebo meu chá. Sozinhamente bebo meu chá, única xícara.
Enquanto o tempo se escoa, como um grande consolo, única verdade, bebo chá.