Histórias Que a Vida Conta – De escuridão e de Camisinha

Ubatuba era um município pacato lá pelo final da década de 50. Algumas casas estavam começando a serem construídas de frente para o mar, na praia do Itaguá na Barra da Lagoa. O comércio era pouco e só central, açougues tinham dois e cada um matava um boi por semana. Não havia supermercado, pão fresco só às nove horas da noite. A cidade era carente de coisas para o consumo. Sabendo disso os que tinham casa para lazer costumavam carregar de seus lugares de origem tudo o que precisavam para não ficarem aborrecidos e saírem numa procura inútil. Os carros vinham abarrotados de bagagem! Era preciso providenciar tudo em São Paulo ou pelo caminho. Só peixe e camarão não eram preocupações, as redes eram puxadas na frente das casas e a fartura era muita. Era só levantar bem cedo para comprar os camarões que vinham ainda vivos. Ver puxar as redes era um espetáculo que valia a pena!
Trabalho para carregar o carro, desconforto da viagem que levava mais de sete horas em estrada recém aberta, sem asfalto, não eram motivo para deixar de viajar. O mar , o ar puro, o sol, a praia, o espaço para as crianças, a despreocupação com o trabalho, as reuniões familiares, a longa mesa colocada para as refeições, as risadas e os aperitivos que não faziam mal, eram dádivas do céu, ou melhor eram presentes oferecidos com a construção da casa pelo “vovô” da família.
A casa era confortável e bonita, muito bonita. Na época dessa história ela tinha três suites, mais três em construção, espaçosa copa-cozinha, uma sala enorme com portas abertas para o mar cercado de morros. A vista era deslumbrante! Em noite de luar então nem se fala!
Duas coisas aborreciam: a falta de água e a precariedade da luz elétrica. A água , quando faltava , era preciso buscar em alguma bica e o banho de água doce para tirar o sal do mar era tomado nas cachoeira. A criançada vibrava! Era a farra! Nem os borrachudos eram empecilho!
A precariedade da luz elétrica era o pior problema por causa da geladeira. Foi preciso trocar de elétrica para à querosene, mas essa não funcionava direito. Acostumados que todos estavam com a eletricidade não sabiam lidar muito bem com outro modo de energia e luz.
Num dia, com a mesa posta, ficaram todos da família esperando o vigário para o lanche. Era um anoitecer de sábado e o padre avisara que ia aparecer para uma visita. Não aceitou que alguém o fosse buscar de carro na cidade, precisava parar um pouco pelo caminho. Quando ele chegou já era noite fechada, estavam todos com muita fome. Sem lua no céu a luz fraca não ajudava muito a enxergar mas a conversa foi se desenrolando agradável, o lanche, com pão feito em casa estava saboroso e quente e o queijo comprado no caminho, especial. Por costume eram postas velas na mesa para uma provável falta de luz. Conforme esperado, a luz apagou. Ao mesmo tempo em que acendia uma vela a dona da casa exclamou:
– Esqueci a camisinha!
O genro de vinte e sete anos que tinha a mulher esperando o terceiro filho, engasgou. Sob a luz titubiante da vela os olhos arregalados do vigário mostravam surpresa, o dono da casa deu um pulo na cadeira, a filha, sempre previdente, grávida de sete meses, levantou-se, tateando dirigiu-se ao quarto, vasculhou uma sacola, achou o que procurava, voltou para a sala e sorridente mostrou o troféu: uma camisinha branquinha, branquinha. Assim era chamado um pequeno saco feito de material inflamável que era colocado dentro dos lampiões.
Foi só colocar a camisinha nova no lampião a querosene e acende-lo que a claridade voltou. Os homens trataram de não comentar o acontecido mas olhares risonhamente cúmplices foram trocados entre eles. Só o vigário permaneceu sério.
Bons e inocentes tempos aqueles! Era tudo tão bonito sem muita gente, sem tanta miséria, sem poluição e sem AIDS! Na escuridão era possível enxergar as estrelas…