Por Mais Distante…

(à Iara)
“Se um dia você for embora
Vá lentamente, como a noite que amanhece
Sem que a gente saiba exatamente como aconteceu”
(Milton Nascimento)
O maior medo que ela sentia era a possibilidade de um dia – quando por algum motivo eles estivessem distantes um do outro – ele a apagar da memória – esquecer dela, simplesmente.
Era uma insegurança que a deixava ao mesmo tempo ansiosa e indefesa. Já sofrera com esquecimentos de outras pessoas em situações anteriores, o que acabara tornando-a mais cética em relação a promessas. Tinha um certo trauma da idéia de ter sido esquecida por pessoas que ela tanto amara, e se isso voltasse a acontecer com ele, ela perderia definitivamente a crença nos sentimentos humanos, no romantismo das palavras, nos idealismos utópicos, na vida, no tudo.
E quando se sentia a menina mais triste, solitária e abandonada desse mundo, ela ia àquela gaveta de papéis-que-ninguém-podia-mexer para reler todos aqueles textos que ele havia dedicado à ela, querendo ter a certeza absoluta de que foram mesmo escritos para ela, buscando em cada entrelinha as metáforas que só ela poderia compreender, ah, só podia ser para ela !, aquele maluco… E se lembrou da primeira vez que recebera um texto dele, exatamente no dia em que ela lhe perguntara “você acredita no amor?”, e ficara assim, sem palavras, querendo descobrir se era coincidência ou não ele ter escrito sobre um homem que esperava, esperava… Chorava, sorria, sentia medo, calava e queria desaparecer à medida que ele parecia cada vez mais próximo, e ela não o queria próximo, apenas não o queria distante, também. Pensava que tudo aquilo que ele lhe falou, tudo aquilo que ele lhe escreveu e tudo aquilo que ele nem precisou lhe dizer,poderiam, inesperadamente, virar um amontoado de coisa nenhuma, pois ele poderia descobrir que não,não gostava dela.
Seria uma descoberta assim, rápida – um rosto, um sorriso, um nome. Pensava em como seria aquela que a substituiria nos pensamentos e nos escritos dele. Loira? Morena? Linda? Bonitinha? De mãozinhas como a dela? Pequena? Altiva? Chorona como ela? Colecionadora de anjos? Sonhadora? Meiga? …
Ela imaginava tanta coisa… E era uma tal confusão de idéias e suposições que, quando sentia que tudo – ou nada – fazia – ou não – sentido, ela começava a cantar em voz alta aquela música do Gil em que ele diz que minha aura clara, só quem é clarividente pode ver, pode ver. Então, cansada, mais perdida e mais angustiada do que antes, deitava em sua cama, agarrada ao seu fiel travesseirinho, e chorava, aliviada, um chorinho mudo que só ela conseguia, e precisava.
Queria prever a própria reação, na hipótese de ele lhe dizer “estou gostando de alguém…”, mas era impossível. Ciúmes, precisamente, não sentiria, por certo. A única certeza era o medo – medo de ser esquecida, medo de que ela não tivesse mais qualquer significado para ele, na vida dele. Medo de acreditar que o amor possa ser uma coisa assim, de pessoas meramente substituíveis – sai uma, entra outra, OK, trocou, pronto.
O que ela nunca havia pensado é que ele também fazia suposições e sofria com as mesmas distâncias imaginárias e os mesmos medos de esquecimento. Mas a insegurança dele era ainda maior, porque ele imaginava que as pessoas que a magoaram no passado serviam de parâmetro para avaliá-lo. E ela jamais poderia enxergar o verdadeiro sentimento que o movia, a extensão do carinho, a vontade de ser melhor do que era, a insignificância de ele ser, digamos, só mais um cara, e ainda assim, e a melancolia de vida que era quando das pequenas ausências a que ela lhe submetia.
Longe dela, ele temia encontrar uma pessoa especial em sua vida que, enganadamente, o fizesse acreditar que o tornaria o homem mais feliz da face da Terra. Mas… Longe dela?