Quando eu era criança, usava-se uma expressão engraçada para “aspirar o ar”: dizia-se “chupar o ar”.
Vim a conhecer os poetas mais tarde. Eles aspiravam, suspiravam, respiravam… mas não chupavam o ar…
Também em criança, ouvia sempre uma outra expressão curiosa: quando a TV interrompia a transmissão devido a algum problema técnico, dizia-se que era “de lá”. No meio do programa, às vezes, a imagem escurecia e esburacava a tela emoldurada de botões. Mexia-se neles. Nada. Minha mãe, com aquela técnica que só as mães têm, sentenciava: é de lá.
Nada me satisfazia tanto quanto aquelas palavras. Não me importava onde era “lá”. Sabia que, se era “de lá”, o nosso aparelho estava funcionando corretamente e a antena também. A “culpa” não era nossa. Dava um certo alívio saber que bastava esperar um pouco e tudo voltaria ao normal, do ponto de onde havia parado.
Certa vez, uma coceira mental se instalou em mim e eu perguntei à minha mãe onde era “lá”. E ela me respondeu. Falou em emissora e transmissão com toda aquela já mencionada propriedade.
Não sei se entendi. Acredito que não (aliás, não sei nem se hoje entendo!), mas o fato era que a resposta importava menos que a pergunta. Quando quis saber onde era “lá”, já me dava conta do mundo fora de mim – com o qual, até então, nunca me havia importado.
O que só vim saber depois é que aquela pergunta era o “clect” seco da mala que a Infância fazia para ir embora. Pegar o trem tempo e ir-se.
Foi. Óbvio… levou consigo muita coisa. Seu tanto de magia e capacidade de deslumbramento e surpresa. Deixou, porém, a memória dessas palavras e expressões. Soam velhas, e hoje, com a visão de malícia do mundo e da arte dos homens, não as uso mais.
Porém, no jardim da memória ainda posso ouvi-las rindo e brincando. Crianças, como sempre. Palavras, com seu poder único de driblar o tempo.
Saudade? Muita. O que fazer…? Só suspirar…ou chupar o ar, se preferir.