É noite. Olho para um céu limpo onde brilha a lua. Palavras vulgares, essas que escrevo. Tema também vulgar. Mas, mortal que sou, habitante deste planeta, olho o céu de abril e vejo a lua. Sento-me na cadeira de plástico branco, acendo um cigarro e fico ali, olhando e rindo, pensando em como é bom olhar a lua num domingo assim de friozinho começando, a vida parecendo tão certa e fácil, tudo no seus devidos lugares.
Até me esqueço que amanhã é segunda-feira outra vez e que com ela recomeça o trabalho, o cansaço, e os sempre-desejos de um outro domingo…
Olho a lua como deve também ter feito, há milhares de anos, o meu mil-avô, curvado sobre as dianteiras patas, um quase animal de olhos atentos, sem compreender o espetáculo, mas apreciando o brilho deste satélite que um dia, no lá-longe, aprendi ser 49 vezes menor do que a Terra.
Olho a sua redondeza, lua, olho deslumbrada para este brilho distante, mas real. Mas me incomoda saber que lá em cima, na sua carne, há uma bandeira americana, ainda que pequena, hasteada, imóvel e uma inscrição tão solene: “Estivemos aqui, viemos em paz.”
Porque nem sei, apenas me incomoda, como se fosse uma espécie de profanação, abuso. Olho a lua rebrilhando no esplendor de abril e, como sempre faço, fico aqui imaginando coisas. Uma delas é o que me acompanha desde criança: como será a Terra vista da Lua, então?
Rio de novo, rio sempre, tocada por uma secreta meninice que nunca me deixa e me mantém viva. Rio aqui no escuro, mansamente, atenta à lua que agora se reveste por um halo pálido e amarelado ao seu redor… Sozinhamente, espio a lua em meio a este silêncio inesperado, a este domingo quase que no fim. Existem momentos magníficos na vida, penso. E este, com certeza, é um deles. Mágico, silencioso, harmoniosamente solitário me recebe, guarda e envolve.
Olhar a Lua tem gosto de bala de hortelã.
Olhar a Lua tem jeito de quem tem paciência de ler Saramago em voz alta para quem ama, fazendo pausas, comentários, comparações. Olhar a Lua é quase como ter algo que sequer se sabe o que é, nem se nomeia. Uma folha no vento é olhar a lua; uma penuagem solta no ar frio deste abril ao meio… pluma leve que , se soprada, dá cambalhotas no ar. Meneios?
Termino o meu cigarro e fico ali, engolida pelo silêncio, quieta e imóvel, não quero trincar o que em meu peito vem abrigar-se, palavras que tenho lido ou ouvido. Pisco os olhos de tanto olhar-te, Lua. E agora sei porque os poetas antigos tratavam a Lua por tu, deferência especial dada a quem se ama e admira em camoniana língua…
Mas a Terra é meu habitat, Lua, sou um bicho daqui, terreno, defeituoso, complexo… Um bicho esquisito, bípede e desemplumado. Um bicho-homem com cérebro e desencantos.Um bicho que leu Sartre e Heidegger, por isso tão vulnerável e perigoso… Penso isso e quase que ouvindo as palavras me levanto, coloco a cadeira no lugar, a cabeça baixa, nem querendo olhar a Lua. Mas seu brilho de veludo e cristal me atrai: olho. Agora está mais amarelada, mais alta. E seu halo mais leitoso.
Fico ali, de pé, no silêncio da Lua.
E ela me banha a alma de uma coisa sem nome, presa à memória. Um quase sentimento me invade e me toma.
E toca a minha alma tão pálida como esta Lua. Minha alma penugem, minha alma folha, minha alma vento…
Minha alma que sente falta do que nem é meu, mas meu é.
Porque impossível, distante e intangível é mesmo a Lua. O resto, descubro, o resto é o Jardim de Alice, Pasárgada, Lilliput. E nem sei por que, confesso, eu me lembrei da bruxa má que prendia Rapunzel na torre.
Mas a Lua é linda, acredite. A despeito de tudo, é sonho. E bala de hortelã. Saramago, Guimarães Rosa lidos em voz alta, uma estrofe de Camões dita no escuro. A Lua, ah Lua, apesar de tão distante, é.