Os sapatos me apertam calos insuspeitados e algo aqui dentro ruge. Não delineio o tamanho do que me aflige, muito embora nomeie-me como o andarilho de mim. Fujo de bruxas, monstros, gosmas cinematográficas e efeitos espetaculares, sem nem ao menos suspeitar que todos eles me residem e de mim retiram seivas e tardes. Apóio o queixo na mão esquerda e rabisco palavras destras que insisto em sentir, mesmo quando a intenção é a de transformá-las em flores ou coisas mais belas do que aquilo que de fato em mim percebo. Vejo meus outonos dispersando-se em janelas e grutas sem luz e inercialmente nada faço: comprazo-me em me ajoelhar, respirar superficialmente e evitar a dor que acossa, toma, penetra e torna-me esponja dos dias.
Será isso a preguiça? Apenas um subproduto da inércia? Desejaria gozá-la, fruir seus entrepernas e perfumes, íntima e confortavelmente; mandar flores e cortejá-la, como a uma moça de grandes e observadores olhos negros que isso tudo mereça.
Mas o que há em mim de reprovável me impede a fruição, a observação atenta e calma, a serenidade de sentir e o estar comigo mesmo. Quintana afirma que o vento é o pastor de nuvens. Acho que aqui dentro reside um pastor de ventos, furações e terremotos.
Nego a inércia. Sem forças, mas nego-a.