Penso em Darwin, Penso em Deus…

Parou em frente à vitrina da loja de animais e ficou olhando, incrédula, a iguana.
No aquário seco onde o bicho se encontrava, apenas uma pedra preta e luzidia, quem sabe se também vinda de Galápagos?
Fiquei olhando e pensando em Darwin.
Uma grande ternura invadiu-a: quem te amaria, bicho, senão pelo exotismo, esses olhos fechando e abrindo feito os olhos de uma velha tartaruga…?
Iguana, penso, não é bicho de encolher-se: o pescoço tem uma maneira orgulhosa de mexer-se, a cabeça se levanta sem docilidade, que dinossauros guarda uma iguana dentro de si?
Fiquei olhando e pensando em Darwin.
Para que as pessoas levam uma iguana para casa? Parece criatura altiva, feita para ser livre. Seu andar sem música, seco, as patas dianteiras levemente viradas para dentro, a cauda esquisita ( tiranossaurus, tiranossaurus..) se move desajeitada e obriga a iguana a ter um andar entre passista de escola de samba e modelo etéreo, habitando passarelas Armani.
Fico olhando e pensando em Darwin.
Corpo coberto de escamas ( escamas?), o abdome se enruga nas laterais vazias. Toda ela reflete, de vez em quando um furta-cor onde falta apenas o vermelho para parecer uma pintura de Picasso. Mas descubro uma delicadeza na boca, eis o bicho farejando comida. O que come uma iguana? Esforço-me para ver as orelhas, as narinas são perceptíveis, um pouco úmidas, ela levanta a parte dianteira do corpo como se tivesse ouvido um som que eu não ouvi. Está alerta, todo o corpo ganha uma flexibilidade de carne viva e trêmula, os músculos das patas dianteiras se retesam, ela quase se senta: mas onde, iguana, o perigo que não sinto e nem vi?
Fico pensando em Darwin.
Os olhos são agora mais rápidos, o coração do bicho, certamente, também está assim.
Fico observando, imaginando o que come uma iguana, pois água eu sei que ela beberá.
Que doenças assaltam um animal desses? Do que morre um ser assim, que agora parece ter me descoberto?
Pára, meio lateralmente me olha. Olha?
Ah, sou eu a observada. Num primeiro momento, ponho-me a rir. Ela faz um movimento para trás. Depois me aproximo lentamente. Eu e a iguana. Se tu fosses um teu antepassado, iguana, eu não te enfrentaria assim, cara a cara. Correria por entre as árvores enormes da floresta, certamente que eu gritaria com medo e terror.
Não é possível, penso… mas este bicho está olhando pra mim…
Inclino a cabeça, observando: ela tem língua! Uma língua comprida…
Os olhinhos piscam-que-piscam, o abdome mostra a respiração fora do compasso.
Se eu fosse louca certamente imaginaria que ela quer que eu a compre e que numa tarde quente de domingo passe sobre o seu dorso a minha mão rude, de unhas e dedos e palma. Afasto-me com medo da paixão.
Mas louca não sou, louca não sou.
Fico olhando a iguana enquanto ela me olha. Por um momento, e nem sei por que, meus olhos se enchem de lágrimas quentes, que escondo dos outros. E solenemente penso em Deus.
Solenemente penso em como Deus me olha também, às vezes, na maluca vitrina do viver, iguana que sou, iguana que sou…