Lendas Urbanas de Ipanema VII – Na Praia do Pinto, Não Se Fala no Próprio!

A festa era no clube Flamengo e para chegar lá de ônibus, tínhamos que passar por dentro da maior favela horizontal do Rio. Na verdade a “Praia do Pinto” era a única favela horizontal do Rio e se não era uma praia, também não era do Pinto – era assim como uma grande festa, milhares de barracos espremidos entre ruelas cheias de um som e um cheiro todo próprio. Batuques, sambas de roda e bares de uma porta só, aconteciam aqui e ali, um enxame de gente andava e se esbarrava dia e noite. É, a favela da Praia do Pinto era realmente uma festa.
E nós lá!
Vestidos de terno escuro a pedido do convite impresso que dizia – Traje Esporte Fino – íamos, na esperança de arrumar uma gata para um namoro absolutamente sem vergonha. Se nosso traje era fino ou não, nunca soube, era meu único terno e servia pra tudo – virava smoking, blaiser e o tal esporte fino.
Descemos do buzum já cheios de má intenção, entramos favela adentro conversando e apreciando o baticum que ia crescendo na medida em que nos aprofundávamos.
Paulo PZ, como sempre cheio de medo, reclamava que a festa ia ser uma porcaria, que a favela era perigosa, que tinha que voltar cedo e que nós éramos uns idiotas por ficar implicando com ele.
PZ, de Piroca de Zona – era porque ele sempre, sempre usava uma camiseta – até na praia o danado usava a camisinha, daí o apelido que ele não só detestava como explicava pras moças dizendo que não sabíamos seu nome direito – Paulo Cézar.
E rindo e implicando com o PZ, entramos fundo na Praia do Pinto.
Estávamos perdidos, não prestamos atenção direito e entramos aqui quando deveríamos ter entrado ali, sei lá, ou talvez tivéssemos que ter entrado acolá? O que sei é que de repente paramos numa clareira com um som alto e um bar cheio de alto-falantes. Um xaxado comia solto, poeira saía do chão, casais dançavam e se apertavam. O Jacaré propôs:
Vamos ficar por aqui, tem um monte de meninas e me parece que está mais animado do que vai estar a festa lá do clube.
O Baleia gostou da idéia e antes que alguém reclamasse já estava bebendo uma cerveja e conversando com uma moça na entrada da birosca.
Vitinho com a eterna mão tampando a boca falou:
E não é que tem umas meninas bonitinhas mesmo. E foi logo se chegando. Nos enturmamos de terno e tudo e começamos a fazer nossa festa ali mesmo.
As músicas nordestinas eram todas de duplo sentido, era “Beijo na buxexa dela”, “Há Jacú no pau”, “Pela Dona do terceiro andar” e por aí a coisa ia, se não com muito ritmo, pelo menos com muito humor, que ia deixando a moçada solta e solta e cheia de meu bem pra cá e pra lá. Menos pro PZ, que reclamava e chiava e cheio de medo se encolhia.
A menina que se engraçou pro meu lado era uma gracinha, com um cabelo afro cheiroso e um vestidinho que escondia o início e o fim mas mostrava o meio. Lancei um papo cabeça, fui logo dizendo que estávamos de terno porque a festa que íamos era muito importante e tal e coisa e coisa e tal; a menina com um copo de batida de maracujá na mão, se derretia toda enquanto a bebida subia. Começamos a dançar coladinho e cada vez que eu rodava, via o PZ lá num cantão com a gravata torta e maior cara de bunda. Perguntei pra menina que estava comigo se ela não tinha uma amiga, que nós todos de terno estávamos juntos e só estava faltando um arrumar alguém. A moça cheia de dengo parou e saindo junto com as outras que dançavam com o pessoal, disse que eu esperasse.
A turma se juntou e já cheios de cana começamos a falar sobre o que seria a noite – que uma das moças era filha do dono do bar e que outra queria ser miss e mais uma adorava homem de terno. A coisa parecia que ia rolar! Arrumamos uma mesa de ferro e logo logo estávamos parecendo locais. Menos é claro o PZ, que reclamando diziam que não sabia o que iria falar pra moça que já já ia chegar.
Não sei falar e pronto! Converso com amigos, mas falar com uma pessoa que eu não conheço! Uma moça? Putz, o que vou dizer?
Fala do tempo, da música, da roupa dela, disse o Baleia.
Fala da praia, pergunta onde ela vai, arrematei eu.
Pombas, fala do céu, do mar, da terra, do cacete! Gritou o Jacaré sem a menor paciência. Fala do cacete! Que coisa! Que cara chato – eu falei pra gente não trazer ele!
E o PZ se calou, arrumou a gravata no lugar e com cara de nervoso ficou esperando as meninas.
A moça do bar botou na mesa uma garrafa de “pesseguete” – batida de pêssego com cachaça e leite moça! A coisa ia pegar!
As moças voltaram; traziam uma menina que parecia saída de um conto de fadas; morena jambo com os cabelos presos em duas tranças tipo maria-chiquinha, uma mini saia mini mesmo, um sorriso de criança e uns olhinhos verdes encantadores. Linda e mais linda a menina. Que sorte o PZ tinha! E a lindinha se sentou logo ao lado do cara e tocou a falar. Nós todos nos levantamos e tome xaxado!
A coisa já estava assim: eu peguei o triângulo de um cara e comecei a tocar; o Baleia beijava a menina dele num cantão escuro; Vitinho conversava com uma roda de gente preso por um braço a uma menina que dançava indo e voltando e o Jacaré fazia pose e dizia que era surfista. O PZ enfim se levantou e começou a dançar. Mudo estava, mudo continuou. A garota falava pelos dois.
Foi quando chegou um grupo de homens cheios de marra. O chefão usava óculos escuros de noite, pombas! Eram uns 10. Pareciam os donos do pedaço. Eu segui dançando como se nada tivesse acontecido, mas o grandão, o chefão, o maioral, o dono da boca-de-fumo, foi andando direto na direção do PZ. Parou do lado dos dois que dançavam e pegando o braço do coitado perguntou:
E você, tá falano o quê, aí com a minha filha?
A menina se explicava e falava e falava.
O brutamontes perguntou de novo:
Tô falano com ele – o quê você tá aí falano com a minha filha? Fala logo mermão! Fala!
E o PZ finalmente falou:
Tava falando do tempo, da praia, da música, tava falando que ela está de vestido amarelo e o cacete!
O cacete? Perguntou o grandíssimo. Cacete? Dela?
Não senhor?
Então é o meu?
Não senhor?
Então é o seu!
E meteu logo uma bolacha na cara do PZ prele aprender a ter mais respeito e não falar em pinto na praia dos outros.
Tamos correndo até hoje!