E lá vou eu, caminhando descalça na rua das navalhas da utopia… Queria um mundo bom. Um mundo onde pudesse entrar na Internet com meu endereço, meu telefone, referências para chegar no meu lugar, sem medo de nada. Queria um mundo onde o outro não fosse o inferno, onde eu o reconhecesse como me reconheço, estampada na sua pupila. Queria um mundo onde a poesia não só fosse necessária, mas indispensável,boa como a chuva, simples como o pão…Queria um mundo limpo, cheio de florestas e clorofila, queria respirar verde e expirar oxigênio puro. Queria andar desarmada de corpo e alma, caminhar na rua sem olhar para trás, para ver de quem são os passos que me acompanham. Queria poder falar com estranhos e pegar e dar carona nos dias impossíveis. Queria vestir linho e seda, seda mesmo, do bicho-da-seda, comer sem agrotóxicos e tirar os sapatos quando apertassem no pé. Queria poder usar uma flor no meu cabelo, a qualquer hora do dia ou da noite. Queria um mundo onde fosse impossível ser feliz sozinha. Um mundo cheio de música, onde seria muito natural ouvir Albinoni de madrugadinha. Queria me sentar para ter saudades de coisas que nunca aconteceram. Queria ter o direito de ser eu mesma, sair sem pintura, chorar, ficar triste, dar uma grande gargalhada no cinema. Queria que o meu vizinho não tivesse medo do meu telescópio e que eu não tivesse precisado escondê-lo atrás de um biombo, para ver minhas estrelas. Queria ficar cheia de esperanças. Ter a pequena liberdade de envelhecer como uma árvore e as pessoas dizerem: Que linda! como dizem com as árvores antigas…Queria fazer perguntas irrespondíveis: Se o ego é feito de introjetos, quando e como foram introjetados os introjetos iniciais? sem ficar angustiada por falta de respostas. Queria um mundo em que para ser amigo não fosse preciso pagar nada. Que amigos fossem como estrelas, a gente nem sempre as vê, mas sabe que estão lá, brilhando azuis, quase eternas…Queria um mundo onde tudo fosse útil ou belo. Queria ver as crianças fora das ruas, abrigadas, estudando, comendo três vezes ao dia. Queria um mundo feito de pares, onde cada um tinha seu cada um e ninguém ficava sózinho. Queria um mundo sem fome, sem guerras, sem desespero, sem dor. Queria minha aldeia, um regato, o mercado, gente na praça, namorados ao luar. Eu queria um mundo humano, onde “a grandeza de ser humano fosse ser humano”. Queria um mundo onde todos tivessem consciência da sua finitude, lembrando-se das palavras do filósofo que disse ser a vida apenas um pássaro, que sai do escuro, voa sobre uma sala iluminada e mergulha outra vez no escuro.Enfim, queria um mundo limpo, onde cada um varresse a sua calçada e nunca deixasse qualquer correspondência sem resposta… Estou tão cansada de deuses! Eu queria gente. Estou pedindo tão pouco…