Sentimento

“É sempre nos meus pulos o limite
Sempre nos meus lábios a estampilha
Sempre no meu não aquele trauma (…)”
Carlos Drummond de Andrade
Mirou-o como se fosse o último homem da Terra, e ainda que não fosse, não importava. Ainda que fosse o primeiro dos homens, ou o último, ou um entre tantos, ele era um entre tantos, ora, e daí, era bom vê-lo, na verdade gostava muito de vê-lo e de sofrer por olhá-lo e apenas olhá-lo. Não importava.
Bastava-lhe a importância que aquele moço representava em sua vida naquele instante, ou, que não fosse exatamente na vida, nos desvarios adolescentes que transforma a meninice quase infantil nas mulheres dos olhares, aquelas que irão protagonizar, anonimamente, junto com aquele e com todos os outros moços do mundo, as mais bonitinhas histórias de relacionamentos amorosos que ninguém nunca ficará sabendo.
Quis chamá-lo pelo nome, “venha cá, moço, venha me tomar em seus braços”, pensou, e pensou, e apenas pensou, e continuou observando-o, longamente, e percebeu que não sabia o seu nome. Ficou subitamente triste, e imediatamente feliz, uma felicidade extrema percorreu-lhe a espinha, e não conseguiu compreender o porquê daquilo. Deteve-se nos cabelos dele, por nenhum motivo, e achou-os bonitos. Compreendeu a vontade de ser exageradamente carinhosa, o carinho exagerado que todo alguém apaixonado aprisiona para si, porque teve tanta vontade de trazê-lo para seu colo, aconchegar a cabeça dele sobre suas pernas, olhar-lhe docemente bem no fundo dos olhos, e acariciar-lhe os cabelos, os cabelos dele, ah… Ficou com vontade, com muita vontade e, estranhamente, permanecia feliz. Sentiu que poderia ser a mulher mais doce, a namorada mais delicada, aquela que dedicaria sua vida para cuidar do seu homenzinho. E mesmo que ninguém jamais soubesse disso, e mesmo que ele sequer imaginasse que ela – a mulher mais doce e delicada, a do imenso carinho guardado para ele, a namorada que ele não supunha que existisse para ele – existia, e o observava, nostálgica. De repente, notou que suspirava, e eram suspiros tão bem seqüenciados e sinceros que ficou com receio de estar submissamente apaixonada, e se sentiu capaz de “chamar a luz com um assobio, fazer a virgem virar pedra e curar a tempestade”, como escreveu, certa vez, aquele poeta menor, amigo do outro mais famoso. E compartilhou com a bruma suspensa entre ela e ele a certeza da paixão feminina, vigorosa volúpia da fugaz e fugidia ansiedade de amante, amante do moço que sequer a notara, sublime vontade de ser, como tantas, a protagonista de outro “amor-para-sempre”, amor que não fica, que não repete, amor que nunca voltará a ser, amor. Mas não importava, ela não sabia.
Ele saiu de seu raio de visão, sem tê-la notado. Ela, por todos os motivos – ou por motivo algum – pôs se a sorrir, tristemente. Amou-o bobamente por aqueles poucos instantes, sem ter-lhe dirigido uma palavra, sabendo que nunca mais o veria.