Língua Portuguesa 2

Hoje, os vestibulares valorizam enormemente a análise de texto. Faça aí este exercício para ver como é que você está se saindo. No final, veja o gabarito:
De repente, na Pátria alheia
Carlos Lacerda

É com adolescentes que duram certo número de anos que a vida faz os velhos.
Marcel Proust
Le Temps Retrouvé

Quando viajo para bem longe é que me sinto mais perto de mim, das minhas inexploradas origens. Remonto as nascentes de um rio que flui sem saber para onde, no traço da sua itinerante fantasia. Do alto do avião se vê bem como os rios inventam seus caminhos; e raramente improvisam. Seu curso caprichoso na baixada, seu festival de curvas na calmaria dos brejos não era bem assim na serra de onde veio; ali ele só tem um caminho para passar.
Não é à toa que aquele escritor francês diz: o patriotismo é o que a gente lembra da infância. Minha pátria são árvores enormes. As pessoas sucederam-se como quem rende a guarda e nem todas eram amenas e repousantes. Uma alameda de areia e folhas secas, os paralelos do trem que enche a noite de bufos e chiados, o canto ( não o coaxar nem o trilo) dos sapos e dos grilos, a zoada das cigarras num coral de mil mártires fritando em grelhas gigantescas; e o rumor manso do rio que passa mas às vezes, engrossado pela cheia, levava o corpo do gado morto, pedaços de casa, fragmentos de mundo. Minha pátria são cheiros e sons, são cores ora vivas ora desbotadas, monólogos de melancolia logo espantada por inopinados encontros. De repente na pátria alheia descubro um pormenor da minha que me espreita e me agarra no seu abraço. Encontrei-a certa vez numa cesta de mangas no rubro portal que leva ao Taj-Mahal. Outra vez encontrei-a num sorvete nas vizinhanças do círculo polar ártico, mas quando estive em Lulea o que havia era uma triste orquestrazinha muito afinada no jantar do hotel bem comportado. O que logo me transportou à galinha clorótica do jantar hidrotermal de Araxá, onde o violoncelista me explicou que fora dono da mais elegante loja de moda masculina da capital e naquela estância acabava seus dias roçando, num violoncelo estival, o arco choroso da Serenata de Toselli.
( A Casa do Meu Avô, Carlos Lacerda, Ed. Nova Fronteira, 4ª edição, 1977, pp 15-16)

Pátria Minha
Vinícius de Moraes
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha Pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha Pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido ( auriverde!) tão feias
De minha Pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu, que não tenho
Pátria, eu semente, que nasci do vento
Eu, que vou e não venho, eu, que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu, elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu, fio invisível no espaço de todo o adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te, no entanto, em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma, tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou infinito e nada terra
E eu vi Alfa e Beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
e urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também
Ë repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura; a ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinícius de Moraes.”

Você acabou de ler dois textos que têm a Pátria como núcleo temático.
O primeiro está escrito na modalidade prosa, e é parte de uma crônica do político carioca Carlos Lacerda, que também era escritor; o segundo, escrito na modalidade poesia, sob a forma de versos agrupados em estrofes. Ou seja, os escritores têm duas maneiras de expressar seus pensamentos: ou na forma de versos ou na forma de prosa. Não há outra maneira que possa ser utilizada.
Exercícios
1. O primeiro parágrafo do texto em prosa sustenta-se em um eixo metafórico, auxiliado por outras figuras estilísticas. Você pode apontar que eixo é esse e observar pelo menos duas outras figuras estilísticas sobre as quais o parágrafo se sustente?
2. De que maneira você interpreta a expressão: “Minha pátria são árvores enormes”?
3. Reescreva o trecho a seguir, de forma que não acha dúvidas quanto ao uso do advérbio: “ali ele só tem um caminho para passar.”
4.”Minha pátria são cheiros e sons, são cores ora vivas ora desbotadas, monólogos de melancolia logo espantada por inopinados encontros. De repente na pátria alheia descubro um pormenor da minha que me espreita e me agarra no seu abraço. Encontrei-a certa vez numa cesta de mangas no rubro portal que leva ao Taj-Mahal.”
a) Qual é a função sintática dos termos “cheiros e sons” e “cores vivas e desbotadas”?
b) Qual o significado do termo “inopinados” quando relacionado a “inopinados encontros”?
c) Em “De repente na pátria alheia descubro um pormenor da minha que me espreita e me agarra no seu abraço.” , qual a figura de construção presente no trecho?
5.Classifique, do trecho a seguir, a oração em negrito:
“De repente na pátria alheia descubro um pormenor da minha que me espreita e me agarra no seu abraço.”
6.Que tipo de eu-poético pode ser observado no texto “Pátria Minha”, de Vinícius de Moraes?
7. “Não te direi o nome, pátria minha,
Teu nome é pátria amada, é patriazinha,
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura; a ilha
Brasil, talvez.”
O primeiro verso do trecho acima guarda uma figura estilística extremamente expressiva. Você do que se trata?
8.Ainda com relação à estrofe acima: que tipo de linguagem foi usada pelo poeta quando escreve “patriazinha”, no segundo verso?
9. No poema, predomina uma função de linguagem. Você pode apontá-la e, em seguida, dizer qual outra função que o poema também deixa entrever?
10. “A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha Pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha Pátria.”
Observe que, nos versos acima, aparece o verbo assistir, ressaltado por negrito. Você sabe quais são as regências desse verbo?

Gabarito :
1. A resposta aqui é pessoal; no entanto, é preciso observar que o “rio” que flui é a própria existência e que tal rio é personificado: os rios “inventam”seus caminhos; “têm curso caprichoso”, os brejos possuem “calmaria”.
2. resposta pessoal de cada um; o professor deve , no entanto, direcionar a resposta, explicando o significado.
3. “Ali ele tem somente um caminho para passar.” É preciso ressaltar que em Língua Portuguesa se permite esse tipo de uso ( só por somente; mas observe-se que só equivale a solitário, portanto, um adjetivo e somente é advérbio que pode ser traduzido por “unicamente”).
4. a)São predicativos do sujeito.
a) A palavra “inopinados” tem como sinônimos “inesperados”, “imprevisíveis.
b) A zeugma, observe: “De repente na pátria alheia descubro um pormenor da minha( pátria) que…” O termo “pátria” já tinha sido explicitado anteriormente.
5. “…um pormenor da minha que me espreita e me agarra no seu abraço.”
Trata-se de oração adjetiva ( espreitadora), introduzida por pronome relativo que.
6. O eu-lírico, por tratar-se de poema que exprime sentimentos.
7. É o apóstrofe, figura que dá tom lamentoso e invocativo ao poema.
8. Trata-se de linguagem afetiva, ligada à função emotiva da linguagem. Tanto os aumentativos como os diminutivos possuem esse tipo de destinação.
9. Função emotiva ( o codificador pretende tocar a emoção do decodificador); outra função que também se destaca é a poética, uma vez que está assentada na estrutura ( versos, estrofes e rimas) do poema.
10. São as seguintes:
assistir (vtd) ­ auxiliar, ajudar ( Assisti o doente./ Assisto minha mãe nas necessidades.);
assistir a ­ (vti) ­ ser espectador, ver, observar ( Assisto ao filme enquanto como./ Assistimos ao show daquela banda.)
assistir em (VI) ­ morar, residir (Assisto em São Paulo há vários anos.)