Literatura

O vestibular e Carta de Caminha
” Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim ( mesmo) os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento* desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação
achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que
– para bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformo-
sentar, nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.”

A Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão-mor da armada de Pedro Álvares Cabral, é, fonte inesgotável de perguntas para os vestibulares que vêm por aí em virtude das comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
Pertencente à Literatura Informativa, espécie de “certidão de nascimento”da nossa terra, é escrita em linguagem rica de descrição, colorido e encantamento.
Caminha não era propriamente um escritor, mas soube prender a atenção do rei D. Manuel, o Venturoso, com o detalhamento, os acenos de riqueza, a possibilidade da cristianização dos índios e , sobretudo, observando que terra era fértil e que nela, “em se plantando, tudo dá”.
Seria bom que vc lesse o texto integral, disponível em nosso site. Linguagem vigorosa, prende a atenção, sobretudo, pelo encantamento que produz em quem a lê. Era uma quarta-feira, aquele distante 22 de abril. Observe:
“E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas da Páscoa, que
foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando ( distantes) da dita Ilha _ segundo os pilotos diziam,
obra de 660 ou 670 léguas _ os quais ( sinais) eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam
botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves
a que chamam fura-buchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte,
muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte
alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! ”

O estudioso Leonardo Arroyo, autor do livro A Carta de Pero Vaz de Caminha, faz as seguintes observações sobre o trabalho do cronista:
“A capacidade de observação de Pero Vaz de Caminha é o traço mais surpreendente que salta de sua narrativa. Em face
desta habilidade admirável para observar, do seu quase científico método de registro dos fatos culturais mais
significativos, ou aparentemente mais sem valor, desse primeiro contato com o nativo brasileiro, afirmou Capistrano de
Abreu que Pero Vaz de Caminha já teria exercitado tais narrativas sob outros céus. Já havia fixado outros momentos
nas costas da África e na própria Índia. (…) Embora interessante, a sugestão de Capistrano de Abreu, não se conhece
nenhum outro documento do próprio punho de Pero Vaz de Caminha para se aquilatar das razões do nosso
historiador. A Carta de Pero Vaz de Caminha é um documento ímpar, porque é um documento íntimo. A narrativa da
semana em Vera Cruz serve de introdução a um pedido muito particular ao amigo, el-Rei D. Manuel: o perdão para
Jorge Osório, seu genro, degredado na Ilha de São Tomé.”(p. 29)

Para os vestibulares, é bom que o aluno compare e aproxime os textos dos modernistas brasileiros pertencentes à corrente Pau-Brasil, entre eles especialmente Oswald de Andrade com o livro chamado também Pau-Brasil, recriação poética da Carta de Caminha; nele, o poeta transforma o texto básico ( A Carta) em poesia:
a descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra.
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
quase haviam medo dela
e não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados.
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
com cabelos mui pretos pelas espáduas
e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
que de nos as muito bem olharmos
não tínhamos nenhuma vergonha.
Observe, agora, o trecho final da Carta de Caminha:
“Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra ao sul vimos, até a outra ponta que contra o norte vem,
de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz
ao longo do mar e em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas e outras brancas; e a terra por cima toda chã e
muito cheia de arvoredos. De ponta a ponta é toda praia… muito chã e mui fermosa. Pelo a se estender olhos, não
podíamos ver senão terra e arvoredos _ terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos ver se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos.
Contudo a terra em si é de muitos bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro e Minho, porque neste
tempo de agora assim os achávamos como os de lá. (As águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”

“Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a
principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
(…) E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa Terra vi.
(…) Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.