Luto

A morte tão perto
toco todas as tardes
E percebo a vitória
do dia de ser escolhida
Deixando a carne carcomida
Aos vizinhos mortos
E meu sangue aos morcegos
de medo chorando
E o espírito livre
à luz se misturando
Meus receios são pouco
Provisórios, atormentando
Meu desejo vai se consagrando
A vida do meu eu jejuando
Para ascender, acender a luz
A luz que fixa meu olhar no fim do túnel
Estamos todos no mesmo barco
E precisamos remar
Comeram os remos os ratos
Comeram os ratos os gatos
Comeram os gatos os magros
Comerão os magros os ratos
E quem comerá imundície?
Ficará para sempre suja a rua
Ficará para sempre morta e crua
A nascida nua
Talvez se ainda ao mato
Fôssemos menos incendiários
mesmo morta e perdida
Terei tido o gosto
de ter sido a vida escolhida
Não a sombra, não o medo de ver;
Porque sempre é precioso ver o lado negro
Abocanhar o próprio diabo
Ver enfim a que ponto chegamos
Para poder se defender de quem chega
de lenço branco acenando
Sim somos hostis
Atire a primeira pedra que nunca odiou
Quem nunca foi mordido
Atire se for capaz
Então convencido de que é impossível a paz
Procure, procure o próximo
Ele estará sempre longe, mas poderá chegar perto
Receberá você de braços abertos
com sorriso inconfundível
E o danado perdoa
Perdoa que o mal está do lado de fora
E seu irmão não sabe por que rangem seus dentes.