Olhos cerrados
saboreio essa candura
que faz de mim algum papiro
partitura
Sou flauta fio condutor
sou nota nua
Virei enredo nos teus dedos
[minha cura]
Esperar é Não Saber
Queria ter falado e até escrito
alguma coisa diferente
vê se entende
Mas a cabeça rodava muito mais inutilmente
Do que as rodas de um trem
que pelo menos carrega
algum alguém
a um destino qualquer
Seja ele de fato o que se quer
ou o presente de algum grego
mascate judeu
biscateiro da Travessa do Ouvidor
ou da rua Uruguaiana
Bem que gostaria
de sentar aqui
e me sentir uma tremenda doidivana
E de verdade nem lembrar
de que cabeça tenho
por que assim quem sabe
deixaria de pensar
em que remédio poderia engolir [ou inventar]
para as agulhas esquecerem
de espetar
e os zumbidos desistirem
de voar
no meu ouvido
E eu pudesse tão somente me fitar
naquele espelho pobrezinho
do meu quarto
pequenino e bem cruel
com os excessos
das faltas nem se fala
que não vejo [e nunca meço
E voltar a sacudir alguma saia
num baile desses onde a pança não se vê
[nem atrapalha
se jeito para a coisa a gente tem
sai rebolando
direitinho
na cadência
deixando o ritmo domar a consciência
O corpo solto sacudindo na mortalha
que nessa hora
é um tecido de viver
A rir de tudo um pouco
da loucura
e do prazer
Para depois deitar na cama
[e esquecer]
Menino Brasil
Nasceu
com roupa de índio
Cresceu a se debater
entre o convívio com a terra
onça brava tuiuiú
cascatas e rios lindos
[e as relações com o Poder
Seria mais que menino
se não fosse a esperteza
de certa gente maldosa
que vive a se corromper
por uns minutos
de fama
de fortuna e de prazer
A beleza natural
a mulher o futebol
raro pendor para a calma
alegria
e Carnaval
São as marcas registradas de um povo
miscigenado
que precisa se encontrar
Precisa mesmo parar
de sofrer quase calado
Povo que sabe sorrir
a seca a trincar-lhe os lábios
Deixar de ser conhecido
como cidadão Brasil
Conquistar o que é seu
crescer
não ser mais criança
Eterno e doce menino
[cavaleiro da Esperança]