Feijões de Molho

Em cima na pia, na cozinha,
numa bacia,
feijões de molho.
Não sei o que eles querem dizer.
Lembro que um dia pensei:
não quero nada comum.
Não quero na minha vida
esse cheiro de dia-a-dia.
Hoje tem feijão de molho na minha pia.
Debaixo d’água.
Há quem diga que ali há vida.
Olho breve enquanto passo
o mistério inútil do feijão.
É a idade do medo do feijão?
Conheço gente que nunca
põe feijão de molho. Gente
para quem o comum é incomum.
Eu me pergunto onde é que o universo começa a obedecer.
O feijão é mau o bastante?
É bom o bastante para me redimir
de estar ali, sobre a pia?
Eu não devia nem saber o que é feijão.
Assim como não devia tomar ônibus. Ou metrô.
Há feijões de molho, visíveis,
dentro de mim. Um homem feijão
fazendo coisas feijão em dias feijão.
Feijão não dá na Lua. O céu não é o limite.
Dentro d’água, a salvo da poeira.
De onde está, o feijão não vê
infinitas calçadas, dias de sol,
o tempo solto, espalhado, sem freio
e sem calor.
O tempo que espreita e que não sabe o que é feijão.