Se se explica o amor, não é o amor sentido,
é o amor mentiroso, que acaba sem saber que começou.
Se se explica o amor, as pernas não tremerão, os olhos não brilharão
e toda a poesia, toda a teoria se perderão
no vazio de itens, frações e teses físico-químicas.
Se se explica o amor, não existirá o choro depois das discussões e
o abraço de agora perderá o seu sentido.
Se se explica o amor, a dor passa sem qualquer analgésico homeopático,
porque ela nem ao menos existirá e qualquer emoção será desfeita
em construções sintáticas e sintéticas.
Se se explica o amor, as flores não serão enviadas,
as flores não serão sequer plantadas.
As assinaturas do casamento serão mais duas em meio tantas a serem protocoladas.
Se se explica o amor, todos os poetas abrirão falência e
todos os sonhos perderão sua beleza.
Se se explica o amor, os namorados não enxergarão outra coisa
se não a bula do “Amor”, mas nenhuma doença será sanada.
Os filhos passarão a ser fruto do mecanicismo moderno,
e as mães não serão mais as figuras idolatradas que são,
por que existirá uma regra.
Se se explica o amor, padroniza-se as atitudes,
morrem as dúvidas.
Se se explica o amor, será uma redução
gramatical, verbal, literal de todos os séculos.
Se se explica o amor, o futuro será
como uma lista de compras de supermercado sempre a mesma coisa.
Se se explica o amor, os sorrisos serão manipulados,
Romeu e Julieta será uma farsa e
tudo o mais será tão tributário quanto bater o cartão na fábrica.
Se se explica o amor, a morte perderá seu valor,
os nascimentos serão sinônimo de mais trabalho para os cartórios e os casais serão apenas uma dupla.
Os carnavais não serão motivos de fim de relacionamento.
Se se explica o amor, dançar na chuva,
olhar o mar e trancar-se no quarto
serão coisas de desocupados e não de apaixonados.
Se se explica o amor, não haverá saudade,
não haverá promessas.
Se se explica o amor, a caridade não será mais tão bela –
Será jogar aos miseráveis os bens materiais que já não são utilizados.
Se se explica o amor, as tardes de espera cessarão
e não haverá a alegria do reencontro.
Se se explica o amor, as músicas não farão chorar e
os jantares à luz de velas serão apenas economia de energia elétrica.
Se se explica o amor, o sexo perderá seu mistério, sua fantasia, seu dilema
com ou sem amor
e passará a ser coisa meramente cotidiana.
Se se explica o amor, não haverá o encanto do primeiro amor porque todos serão iguais.
Não haverá espaços a serem preenchidos,
por que os amantes já saberão como agir em todas as situações.
Se se explica o amor,
Cristo, Buda, Maomé, Gandhi serão apenas nomes a serem consultados nos manuais.
Se se explica o amor, os crimes passionais deixarão de ser passionais
e o Legislativo deverá reformular mais uma lei.
Se se explica o amor, será apenas mais uma definição entre as milhões que se pode encontrar num dicionário qualquer.
Se se explica o amor, serão os dias previstos no apocalipse.
Os suicidas não precisarão sacrificar-se
(ou será que esse número vai aumentar?)
por que não haverá mais dor, não haverá mais alegria,
não haverá mais injustiça
não haverá perspectiva.
Mas se não se explica o amor,
existirão os jantares à luz de velas, os sonhos, as viagens, os sorrisos e tudo voltará ao normal.