Os poemas abaixo “conversam”entre si porque os dois autores , na noite de 3/2/2000, através da Lista de Discussão do Letras e Cia, aproveitaram os motes um do outro e escreveram os poemas abaixo :
1. TOCATA E FUGA – Luiz Fafau
De todos os meus órgãos
o que mais insiste em trazer à luz
sua existência efêmera
é meu coração.
Agora mesmo,
sob os sincopados ruídos soturnos da cidade,
ele dilacera a carne escavando secretos túneis
para uma tocata e fuga.
Movimento perpétuo num apelo por ar renovado,
longe da clausura que se transformou meu corpo.
Não o censuro por seus arroubos juvenis.
Meu anjo torto é tomado vez em sempre
por uma valente rebeldia
e se excita em constantes assaltos
ao meu banco de adrenalina
para depois sair, sem economia,
a distribuir assombros
à minha santa compostura lógica.
2. ALEGGRO CON BRIO – Esther Rosado
Quando Sibelius trinca o ar da noite,
janelas abertas para o jardim,
aquele violino
da 47
tange com o arco de seda
a fímbria da minh’ alma que se alça
plena.
Sento-me, então, à tua espera
e como unhas
adolescência tarda.
Mas, quando te abro a porta
deste convés que é meu navio
ondas sopradas pelo vento
tangem nervos e músculos:
allegro con brio…
escutemos.
3. NA ESQUINA DA 47 – Luiz Fafau
Pode Sibelius sibilar suas sílabas sonoras.
Nunca me opus a opus,
canoro que sou.
Mas, quem nunca adonirou
na corda mi do cavaquinho
ou solfejou firulas de amor
ao pé de uma janela aberta para o jardim?
A gata de ágata atira-se ao mar
e em meu peito uma nau desgovernada
tange ondas
em completa desarmonia com a noite plena.
Guarda tuas unhas para as minhas costas,
açoites tardios nas madrugadas continentais,
cala tua alma e…escuta…
Um arco fere as cordas na esquina da 47.
4. – Esther Rosado
I.
Quando o violinista ergueu o arco
e com sábia mão pensou Sibelius
um rio de música me pôs trêmula.
II.
Tu me dizes : escuta a música do vento…
E eu, de olhos fechados, espero
Beethoven andar descalço pela sala.
III.
Um dia, no lá longe, eu tinha cinco anos,
e meu pai, na cadeira de balanço, fim de tarde,
me disse baixo, baixo, quase soluçando:
– Ouves? Isso é Mozart…
5. CONSERTO PARA VIOLA -Luiz Fafau
Trêmula,
a mão desenha um arco num longo adeus.
Nos arranjos da memória ainda o ranger da cadeira
embalando a saudade.
– Ama Deus, diz-me ele, contrito
enquanto corre a fina lixa sobre a madeira.
Nunca teve ouvidos para Beethoven
mas segue cantarolando Cartola
no paciente conserto da viola.
6. BACCHIANA No. 2 – Esther Rosado
O Trenzinho Caipira de Villa-Lobos
tocado na viola, por mãos de diferentes ritmos,
partiu a tarde em dois:
um antes e um depois
de ouvir que o mundo era único
ímpar.
uno.
e eu ali, em meio à orquestra de violas,
abaixei a cabeça e chorei rindo, rindo
feito louca.
7.BARCCHIANA – (ou: uivando como lobo na vila) – Luiz Fafau
“Café com pão…café com pão…café com pão…
Virge Maria que foi isto maquinista?”
Cada um toca seu trem
como melhor lhe apetece.
Tá bom, esquece.
Mal comecei a tocar
e o ritmo já é dissoluto.
Mas também, reconheço,
não estou em condições
para um poema absoluto.
Quanta rima fácil, assim, de brincadeira…
Bastou-me algumas doses
e já, na entrada,
dei bandeira.