Você compra pães,
eu, flores.
Você não as olha,
eu como os pães com mel
e alface sem sal.
Você, maionese, pastel.
Confiro contas, dinheiro,
você escolhe músicas
e compra seis livros,
que eu leio primeiro
e gosto bem mais da tua canção.
Você testa a chave,
pinta a mesa,
repara a casa do cão.
Rascunho um poema na lista de compras
e esqueço maçãs e sabão.
Faço bolo, você o café.
Choro na cena do filme antigo.
Você lê o jornal, discute política,
me explica a notícia, conversa comigo.
Onde quero ir, nem sei,
perco uma esquina tão perto.
Você sabe curvas, desvios, um atalho,
o caminho inteiro de cor.
Depois, esquece da hora, da festa, da vida
na frente da tela da nossa TV.
Ora sou o avesso da tua ilusão,
ora desfazes meu devaneio hibernal.
Me falas do sonho que ouso não ver,
vejo a poesia eu não ousas falar.
Eu e você
e os pães
e as ruas
e as maçãs
e os cães.
E as flores
e a música.
É só a poesia da vida real.