Receita

A boa poesia é inútil.
Não soma.
Não subtrai.
Não multiplica.
Não divide.
Não vira de cabeça pra baixo
o sonho tolo
dos estúpidos.
Não diz a que veio.
Permanece impassível
em meio ao tumulto.
E silencia.
Emudece.
Cala-se.
Protege de forma indelével
o muro alto
do silêncio.
Esconde-se abaixo do tapete
quando se aproximam
as borboletas angustiadas
do infinito.
Possui um certo ar másculo
embora se saiba frágil
e poesia.
Turva-se.
Se curva.
Aprofunda-se.
Enxerga com desdém
o olhar envergonhado
do poeta.
Dorme o sono justo
da melancolia.
Treme.
Vacila.
Hesita.
Acaba.
E não recomeça
senão num momento
inoportuno.
Desmente se a dizem perdida
mas não há como negar-lhe
uma vocação irrefreável
para o promíscuo.
Tomba.
Se mata.
Parte-se em trinta e dois pedaços
inseparáveis.