Poemas de José P. Di Cavalcanti Jr.

MOTIVOS, CAUSAS, RAZÕES
São tantos e tantos os motivos,
as causas e as razões…
Posso encolher-me
ao tamanho de uma exclamação
e ser só assim: !.
RECEITA I
Ardiloso e enganador, porém,
o caminho para a coragem.
Reflexões desconexas,
à guisa de marcos desapiedados,
alusivas a uma aventura já fadada
mandriam por meus pensamentos e,
confuso,
embaralho, insensatamente,
manhãs e naus sem lastro;
um agitar-se de ramagens,
um tempo comum em 8/8,
dividido em duas séries de colcheias
e uma semínima abandonada
ou, de Barber, o Adagio;
o vibrar ensurdecedor de uma teia de aranha,
arpejos e,
stacatto,
a mais grave nota lá de um teclado,
espécie de inclinação para abismos;
uma entrega de lábios a nuvens que passam
e a inexistência de memória das chuvas;
sensações de déjà vu,
fontes de melancolia e jardins desesperados;
a maciez de fios de seda,
um corpo deitado e insinuante
e um projetar-se predominantemente verde
por encostas;
vinhos amargos e ametistas;
cantos gregorianos e sons de préstitos
com falares esquecidos;
um despontar de outubros
em meados de relvas de marços,
sonhos prementes e similares,
a universalidade de tudo o que flutua nos olhares,
um bater de dedos rijos contra portas que não se abrem,
a volta, depois do devaneio, a si mesmo
e o caráter original, absurdo e insaciável das solidões;
o disfarce das dores
no úmido reptar de línguas apaixonadas,
frases para não se ficar só
e mãos espalmadas de frangíveis esperanças;
o aprendizado dos risos e o piscar de vaga-lumes;
o desnecessário planejamento
para a sensualidade da malícia dos pecados,
um alarido de carpideiras, a temperatura do cetim,
reviravoltas, as horas de poesia, algum exagero lírico e,
no envelhecer das madrugadas,
o calor de um sol de meio-dia;
acinzentados sussurros de inverno,
agonias, leitos de rio e um lembrar,
corrediço,
de esquecer-se.
O caminho para a coragem…
Ardiloso e enganador, porém.
RECEITA II
Ergo o olhar e as mãos.
Procuro riquezas?
Mas imito os que se deixam ficar
diante de balcões de quinquilharias amontoadas,
grudadas e atropeladas umas por cima das outras.
Como se abrisse caminhos adstringentes,
encontro e revolvo ninhos desertos,
a feitura das pérolas, lamentos,
a vã altivez de minaretes desgastados;
folhas mortas
e um medo de fluxos passados;
solilóquios que voejam,
cantos de rouxinol e do partir,
sem o anúncio da ida,
o modo menor do que restou;
destinos nas entrelinhas do silêncio,
violinos apodrecidos e um tatear
entre a insânia e o bom senso;
quartos distraídos,
uma amarga impossibilidade de escolha,
tocos de cigarros e a evidência,
embora sob implacáveis lençóis de ilusão,
de um amor,
desde sempre,
maior que tudo quanto existe;
curvas que se entrecruzam, a arte das fugas,
bilhetes atônitos, botões macerados,
a face oculta de emoções e
a reticente pontuação de um perfil impérvio,
porém magoado;
o sopro das flautas, cabelos açoitados,
contracantos e o infinito,
conquanto imperceptível,
deslocamento de ar dos adeuses.
Procuro riquezas?
Ergo o olhar e as mãos.